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Viagem às raízes do Brasil negro

O Museu Afro Brasil é essencial para entender um país onde 51% da população se declara negra ou parda

Réplica de um navio negreiro no Museu Afro de SP.
Réplica de um navio negreiro no Museu Afro de SP.Nelson Kon
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Um passeio pelo Museu Afro Brasil emociona quem vai aberto a conhecer as raízes brasileiras. Com mais de 6.000 obras distribuídas em 7.000 metros quadrados, esse é o maior museu do país dedicado à cultura afro-brasileira, sediado no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, em meio ao verde do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Lá, ícones nacionais como o escritor Machado de Assis, o abolicionista Luiz Gama e o guerrilheiro Carlos Marighella ganham rostos. E, para a surpresa de muitos ainda hoje, são rostos negros.

Visitado por pouco mais de 180.000 pessoas no ano passado, o museu foi fundado em 2004 pelo artista plástico e pesquisador baiano Emanoel Araújo, que, de entrada, doou 5.000 peças de sua coleção pessoal ao acervo permanente da instituição. Além de quadros na parede e de esculturas e objetos espalhados por três andares de mostras de longa duração e temporárias, a instituição conta também com o teatro Ruth de Souza e a Biblioteca Carolina de Jesus, que abriga cerca de 10.000 itens – vários deles sobre escravatura e abolição – e é uma dose de emoção à parte. "Como não é um museu de obras célebres, mas que revela a grande importância desse Brasil afrodescendente combinando arte, história e memória, ele gera mesmo grande comoção", diz seu fundador.

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Ao contrário do que se pode pensar, não é um espaço de gueto, nem dedicado à África. Sua proposta é descortinar a parcela negra, que hoje soma 51% da população no Brasil, da mistura nacional, ainda que estabeleça uma ponte com o resto do mundo. “Acho que o Museu Afro Brasil é a maior conquista dos negros, não só brasileiros, mas de todos”, afirma Vera Eunice de Jesus Lima, filha de Carolina de Jesus – autora de Quarto de despejo – Diário de uma favelada, visceral relato em primeira pessoa sobre a luta contra a fome e a miséria na favela. “Porque ali você pode comprar o que o negro faz. Você vê o negro na arquitetura, o negro na literatura, o negro no teatro...”, continua a professora de português em uma entrevista estampada na entrada da biblioteca.

Carolina de Jesus e seu 'Quarto de despejo'.
Carolina de Jesus e seu 'Quarto de despejo'.Reprodução

A história de sua mãe, contada através de recortes de jornais, fotografias e documentos, abre o trajeto pela exposição permanente com a emoção que vai acompanhar o visitante até o final. Carolina morava na favela do Canindé, em São Paulo, era catadora e escreveu sobre o cotidiano de sua comunidade em cadernos encontrados no lixo. Em 1958, foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas, que a ajudou a publicar seu diário. Quarto de despejo saiu em 1960, foi traduzido a 13 idiomas e teve 100.000 exemplares vendidos neste ano – o mesmo que vendia Jorge Amado na época.

A visita continua, e aparecem telas de pintores negros do século XIX e XX, como Arthur e João Timótheo da Costa e Emmanuel Zamor, fotografias de artistas que captaram a afrobrasilidade com suas lentes, como Madalena Schwarz e Pierre Verger, retratos e textos sobre atores e atrizes como Grande Otelo e Ruth Rocha, troféus de jogadores de futebol como Garrincha e Pelé e canções de cantores e compositores como Ismael Silva e Paulinho da Viola. A esse bloco de resgate, segue um de reflexão, com a réplica de um navio negreiro acompanhada de relatos sobre o tráfico de escravos da África para o Brasil, que durou 400 anos. Tem ainda uma vasta ala sobre religiosidade, candomblé e capoeira, outra sobre expressões culturais como o maracatu, e assim mais de 500 anos de uma outra história passam diante dos olhos.

Varanasi (Benares), Índia.
Varanasi (Benares), Índia.RODRIGO KORAICHO

"Desde sua fundação, há mais de dez anos, o Museu Afro Brasil tem a proposta de mostrar quem negro foi e quem negro é”, afirma Emanoel Araújo ao EL PAÍS. “Uma de nossas missões é resgatar a história e a memória daqueles que foram esquecidos ou são pouco lembrados pela história oficial", ressalta o diretor, que deixou a direção da Pinacoteca antes de embarcar neste projeto. Isso acontece sem que o presente fique de fora, sobretudo nas exposições temporárias, que podem ou não conversar diretamente com a proposta central do museu. Entre as recém-inauguradas, estão as mostras do artista plástico paulistano Caíto (Cúmulo), com 20 peças inéditas, e do fotógrafo Rodrigo Koraicho (Devoção), que usa um tema afim à proposta do museu – a religiosidade – para mostrar as crenças de regiões da Índia e do Nepal. A dica é investir algumas boas horas para ver tudo isso com calma. Aproveitando o passeio, o retorno em desconstrução de estereótipos é garantido.

Aos sábados, a entrada ao Museu Afro Brasil é gratuita, mas o passeio é menos tranquilo também. Nos demais dias (exceto segunda-feira), a entrada custa R$ 6 (R$ 3 a meia).

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