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Mudança brusca fez atual crise brasileira se transformar na ‘pior do século’

Economia do Brasil vive sua maior recessão desde os anos 1930 Ainda que seja difícil comparações, rapidez com que o cenário mudou agrava quadro

Candidatos na fila para uma vaga de emprego no ano passado.
Candidatos na fila para uma vaga de emprego no ano passado.FERNANDO CAVALCANTI

Em menos de dois anos, o Brasil viu sua economia mergulhar em uma forte recessão que ainda está longe de dar sinais de trégua. Quase nenhum setor, do varejo à indústria, conseguiu escapar da crise e os resultados ruins se tornam palpáveis diante da deterioração do mercado de trabalho brasileiro. No ano passado, o país fechou 1,5 milhão de postos de emprego com carteira assinada e o pior ainda está por vir, segundo alguns analistas.  Os brasileiros também sentiram no bolso o aumento da inflação que, sob pressão do reajuste dos preços controlados pelo Governo, como o da conta de luz e a gasolina, fechou o ano passado em 10,67%. 

Mas o que aconteceu para que o país saísse da euforia que ainda persistia no início de 2014, para um diagnóstico tão ruim, como o que foi feito nesta quinta-feira pela OCDE, de uma recessão de 4% neste ano? Se as previsões se concretizarem, será a primeira vez o que Brasil registrará dois anos seguidos de contração da economia desde a década de 30. Alguns economistas já alardeiam que o país se prepara para enfrentar a pior recessão da história brasileira.

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A verdade é que o Governo esticou a corda até o final de 2014, ao represar preços administrados como o da gasolina, por exemplo, e ampliar gastos públicos contando com uma receita futura que não veio. Soltou essa corda no início de 2015 de uma só vez. No primeiro caso, a liberdade de preço do combustível ajudou a engordar a inflação, o que ao mesmo tempo fez o brasileiro perder poder de compra. Resultado: menos consumo que gera menor arrecadação de impostos, e abriu as portas do desemprego depois de mais de uma década. Com menos receita, o Governo teve de rever suas metas fiscais, gerando incertezas que deterioram, em primeiro lugar, a credibilidade do Governo, e em seguida, as contas públicas.

 É a duração da crise, inédita para os padrões brasileiros, que tem feito economistas rotularem a recessão atual como “a pior do século”.  Na vida real, porém, é difícil comparar as dimensões de crises de épocas tão distintas – no início do século 20 o Brasil era uma sociedade preponderantemente rural. Na opinião do economista Alexandre Saes, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (ABPHE), não há dúvidas que as condições socioeconômicas do país são muito melhores atualmente, o que compromete uma comparação de dados. “Quando falamos em recessões graves como a de 1930, temos que levar em conta que parte significativa da população daquela época estava fora do mercado de consumo, com uma subsistência paupérrima no interior. Hoje não. Apesar dos serviços públicos como o de saúde serem ainda ruins, eles são universais. São todos cenários muito distintos”, explica Saes.

O economista Lívio Ribeiro, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), concorda que é complexo analisar as crises por suas particularidades e também pelo fato da metodologia das séries históricas de alguns índices irem mudando com o passar do tempo. Algumas séries históricas de dados econômicos só começaram a ser publicadas nos anos 90 no Brasil. “O importante não é comparar em si os números absolutos e sim o quanto eles cresceram ou caíram em um período”, explica. Segundo o especialista, se analisarmos, por exemplo, a taxa de desemprego no fim da crise de 2003 podemos observar que ela chegou a um patamar de 12,85%, mas que já era de 11,4% antes de enfrentar as turbulências da época. No caso da recessão atual, a taxa subiu de 4,8% em junho de 2014 para 8,2% em dezembro do ano passado, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Um aumento de 3,4 pontos percentuais.

Independentemente da economia brasileira estar ou não vivendo seus piores dias da história, não há dúvidas que a deterioração foi mais intensa que a habitual e que a crise será longa. “Ela se arrasta por oito trimestres e não vemos o fim dela no horizonte deste ano, o que pode gerar um efeito final grande. Outra particularidade é que temos uma recessão com aceleração da inflação, o que não é usual”, explica Ribeiro. Mesmo com a economia desaquecida, os preços não dão trégua. Parte dessa aceleração é consequência das incertezas: comerciantes reajustam os preços defensivamente com medo do fantasma da inflação.

A informalidade no mercado de trabalho também apresentou um crescimento no último ano do Governo de Dilma Rousseff. O movimento é bastante particular do momento, segundo o economista, porque saímos de um patamar de formalização alta. Mesmo que no início do ano passado já fosse esperado um quadro complicado para o ano de 2015, havia uma esperança que a retomada poderia acontecer no fim do ano. No entanto, a deterioração fiscal, as incertezas políticas, a queda na confiança do investidor e do consumidor fizeram o país caminhar para o lado inverso.

Um dos setores mais atingidos pela crise atualmente é o automotivo. No ano passado, o recuo na produção de veículos chegou a 26,6% e a previsão para este ano é de uma queda de 7,5%. O tombo provoca um estrago grande já que o setor responde por cerca de 10% da indústria nacional. “É uma crise sem precedentes. Não temos apenas uma dificuldade na economia, há uma crise ideológica partidária, é preciso separar o tema político do econômico”, explica Luiz Moan presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Com excedente de produção, atualmente 42.000 funcionários de montadoras estão com jornada reduzida pelo Programa de Proteção ao Emprego ou com contrato suspenso pelo regime de lay-off. “A venda de carro depende do nível de confiança do consumidor , de crédito e de empregabilidade. Com esse fantasma do desemprego rondando as expectativas são ainda piores”, diz Moan.

A renda do trabalhador teve queda de 3,7% em 2015. É a primeira fez que isso acontece desde 2004. O orçamento mais curto do consumidor, aliado à inflação alta, também fez o setor do varejo amargar o pior prejuízo em 15 anos. As vendas do comércio tiveram 4,3% no ano passado, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta terça-feira. Das oito atividades pesquisas, sete tiveram queda. "O que vivemos hoje é uma crise de consumo. Essa é a grande diferença dessa crise para que as vivemos antes dos anos 2000", afirma Alexandre Chaia, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Para ele, a economia atual se divide entre antes e depois do Plano Real (1994). "Até a mudança, vivíamos um processo de hiperinflação onde você simplesmente não tinha economia. Depois de 94,  passamos a gerar um crescimento do consumo interno grande que se acentuou no Governo Lula e se transformou no grande alavancador da economia", explica.

Por isso mesmo, na opinião de Chaia, hoje a maior crise é a interna. "Há uma incerteza gigante, o Governo está com um problema fiscal muito grande e a desconfiança sobre o futuro faz as pessoas pararem de consumir. O problema maior, pela primeira vez, não vem de fora".

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