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Coluna
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Brasileiro só ama mãe e time

Se não existe amor nem no que convencionamos chamar de amor entre os pombinhos, por que cobramos tanto suor e lágrimas quando a bola rola?

Tudo bem, ainda estamos acertando as broncas dos amores e desamores do carnaval... E já me vem novíssima treta. Reflita com este cronista muito romântico: por que no Brasil sobra tanto para o futebol? Que responsa. Se não existe amor nem no que convencionamos chamar de amor entre os pombinhos, por que cobramos tanto suor e lágrimas quando a bola rola?

Brasileiro só respeita amor de mãe e amor de time. Parece.

O próprio cara que não gasta um minuto de amor por semana com a sua moça é capaz de matar em protesto contra uma falha do seu beque, do seu goleiro, minha nossa! O maluco assassina, qual um Caim, o seu irmão no beco, e, meia hora depois, cobra amor à camisa do seu time... Como assim, vagabundo?

Que tipo de amor amamos amar se mal o temos em migalhas na hora agá?

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Nosso amor nem dá para o gasto, somos violentíssimos no lazer e no trabalho, e cobramos como quem recompra a alma do Fausto! Se liga, demo, o inferno somos nós mesmos.

Pasme, caríssimo Robinho, o torcedor ainda acredita na tabelinha entre amor e futebol. Vê se pode uma loucura dessas! O instituto Databoteco não pesquisou que percentual de fãs faz fé nessa crença. Coisa de fanáticos, doentes, ingênuos? Coisa de românticos? Tudo ao mesmo tempo agora, me sopra, gentilmente, o titã e amigo santista Paulo Miklos.

A notícia me pegou, sem surpresa alguma, na beira do fogão à lenha da serra da Mantiqueira, terra fria mineira de Gonçalves, ouvindo precisamente o vinil “Novos Baianos F.C.”, esse esquadrão musical que sabia, mais do que ninguém, aí sim, que maravilha, juntar paixão e futiba.

Acabou, chorare

Minha nega-judia-galega, alvinegra praiana, santistaça, ultrarromântica, não viu a menor graça, ensaiou uma revolta... Como se ainda houvesse amor à camisa. Calma, pera, peraí, mulher, deixa quieto, só nos resta aproveitar a oportunidade para agradecer o que o Robinho deixou de suor e glória na galeria da Vila e, qual um Buda do Zé Menino, desejar boa sorte. Acabou a treta das negociações, chega de novela chata, Acabou Chorare, como me lembra aqui, de novo, mais um vinilzaço do time de Moraes Moreira, Galvão, Baby, Dadi, Pepeu, Paulinho Boca de Cantor e outros passantes do sítio mágico da baianidade.

Aos fatos, esses telegramas chatos que só servem para maltratar a ideia dos últimos românticos: Robinho está de volta ao futebol brasileiro, depois de uma temporada na China. Em vez do Peixe, como parecia óbvio aos passionais e Racionais, o destino foi o Galo. Atlético (MG) e não Santos, para traduzir esse jogo do bicho aos leigos. Parte da torcida do time de Pelé e Neymar está puta da vida. Muito puta mesmo. Os atleticanos, religiosamente ungidos com as cinzas da ressaca, tomaram mais uma e, aos berros, festejaram o novo chegado.

A grana

O ex-menino da Vila, 34 anos, pode amealhar até nove milhões de reais na temporada 2016 nas Minas Gerais –se eu fosse ele gastaria uns 10% com as moças do News Sagitarius, se bem que isso se trata de uma terrível ideia machista, esquece, que triste recomendar um cabaré, uma boate, a festa é livre na existência. Minas não carecem de GPS do desejo.

Fico peixe. A equipe santista preferiu não cometer uma pedalada fiscal e comprometer as finanças. O leilão foi tenso. É o argumento oficial. Vale. Há quem diga que faltou criatividade para chamar os parceiros comerciais para uma grande aposta. Há quem diga que o presidente Modesto exagera no que traz de nascença — modéstia à parte, batismo é destino?

Noves fora a jogatina financeira, o que interessa a este cronista muito romântico é apenas a reflexão: você acredita na tabelinha entre amor e futebol? Hoje estou mais para perguntas do que para respostas. Triste do escrevinhador de jornal que possui certezas absolutas e entrega tudo de bandeja aos leitores sonâmbulos.

Amaria que existisse no campo profissa do futiba 10% de romantismo. Isso é coisa de torcedor e o seu coração flambado na pinga da irracionalidade. Bendita marvada que o mantém no jogo. Romantismo, me sopra aqui a voz do fantasma mais cético da serra da Mantiqueira, já era. Já era, repete o corvo de mr. Edgar Allan Poe nos umbrais da casa da noiva.

Segue a pelada

Never more. Romantismo, talvez só role nos arrabaldes, nas narrativas de Marcelo Mendez para o jornal “ABCD Maior” etc. Esse romantismo deve ser coisa do poeta palmeirense Sérgio Vaz, que nos manda uma boa, lá do sarau da Cooperifa: “Não faço poesia, jogo futebol de várzea no papel”. Bato palmas. E segue a pelada.

Vida que segue, vibra o xará e colega de ofício Chico Pinheiro com a chegada de Robinho no seu Galo. Gaaaloo!!! Também tem poesia nisso: como é bonito quando, diante de qualquer barulho em Belo Horizonte, um copo que cai no boteco, por exemplo, e a mineirada grita Gaaaloo! Passa uma mulher linda... os meninos bradam Gaaaloo! Chega um caboclo bem-diagramado e as meninas respondem à altura: Gaaaloo!

Aos amigos santistas que irão me cobrar um pronunciamento mais aliado, juro que prefiro sempre que o Santos invista nos tantos possíveis Robinhos e principalmente nos candidatos a Neymares, esse belo plural dos oceanos, os meninos que ainda estão no casulo e valem sempre o milagre da multiplicação dos peixes que renovam a ideia de jogar bola no mundo.

Bote esse cacau que iria gastar com Robinho em cem guris. Mesmo! Sem enrolação. Divida por cem, seu Modesto. Divida e aposte, afinal de contas já estava escrito antes mesmo do Velho Testamento: da costela moral do Rei Pelé sempre nascerá um novo garoto que renovará o estilo de jogar bola no planeta.

Xico Sá, escritor e jornalista, é comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Amor & Sexo” (Globo). Publicou “O Livro das Mulheres Extraordinárias” (ed. Três Estrelas) e o romance “Big Jato” (ed. Companhia das Letras), entre outros.

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