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São Paulo rasga clichês para fazer Carnaval virar festa de massa

Mais paulistanos decidem ficar na cidade para ser folião nas ruas e aposentam fama de mal-humorados

Bloco de pré-carnaval no centro de São Paulo
Bloco de pré-carnaval no centro de São PauloSebastiao Moreira (EFE)

Para explicar o fenômeno do ressurgimento do Carnaval de rua paulistano, vamos parafrasear um dos mais simbólicos sambistas da história do Rio de Janeiro, Nelson Sargento, que costuma dizer assim: “o samba agoniza, mas não morre”. A máxima intacta, do jeito que está, também vale para os paulistanos. Só que para explicar o Carnaval de rua daqui, é melhor colocar a coisa desse jeito: São Paulo agoniza, mas não morre. É o que vemos cotidianamente na Praça Roosevelt, no Minhocão, no Largo da Batata, nas hortas comunitárias, na Paulista Aberta. E agora também no Carnaval. A cidade que se idealizou sem pedestres está sendo invadida por eles. Para deixar bem claro isso, o Carnaval de rua paulistano está aí, surrupiando, nem que por uns dias, o espaço cinzento dos automóveis.

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Vamos aos números. No final de semana passado, 410.000 pessoas foram às ruas da cidade com ou sem samba no pé, fantasiadas ou não, bêbadas ou sóbrias, só para festejar o pré-carnaval. Veja bem. Até bem poucos anos atrás pré-carnaval, no imaginário reto e correto do paulistano, talvez fosse uma coisa somente imaginável em Salvador, lá na Bahia. Próximo dado. Este ano, nada menos do que 355 blocos se cadastraram para a folia. Para quem gosta de estatísticas, o número representa um aumento de 27% de bloquinhos a mais em relação ao ano passado. E, por falar em 2015 e estatísticas, 42% do público escolheu ficar intencionalmente em São Paulo no último carnaval, segundo pesquisa feita pela SPTuris. Isso tudo em uma cidade em que até recentemente, a tradição na data era viajar para o interior ou buscar folia com recifenses, cariocas e baianos.

Depois dos números, vamos às impressões. Se até pouco tempo São Paulo passava os dias de Carnaval solitária, acabrunhada, hoje lança candidatura espontânea à musa da festa. Pelo quarto ano consecutivo desfilando no Acadêmicos do Baixo Augusta (que, diga-se de passagem, juntou 130 mil pessoas), a atriz paulistana Alessandra Negrini desfilou vestida de noiva e monopolizou timelines. A fantasia foi uma provocação contra o conservadorismo, popular hoje entre políticos brasileiros que estão loucos para aprovar um retrógrado Estatuto da Família. Nada mais anti-Carnaval. Além de dar um recado para os recalcados, Negrini estava linda. Unanimidade entre todos os gêneros. Já está praticamente eleita por aclamação popular como a melhor rainha de bateria do Brasil. E ainda deu um recado: o negócio dela não é desfile no Anhembi ou Sapucaí com os famosos. "A vibe do bloco é outra. É a diversidade, é ser feliz, ocupar as ruas. Isso me interessa mais", disse em reportagem ao UOL.

Não perca esses blocos

Sexta-feira (5/02)

Sábado (6/02)

Domingo (7/02)

Segunda (8/02)

Terça (9/02)

Se sua agenda ainda não está montada, a redação do EL PAÍS e os pesquisadores André Santos e Chico Santana oferecem algumas dicas para você cair na folia paulistana.

Ilú Obá De Min
Concentração às 19h30
Praça da República

Tarado Ni Você
Concentração às 10h
Av. Ipiranga com Av. São João

Unidos Venceremos na Pompeia
Concentração às 14h
Rua Tucuna, 937

Confraria do Pasmado
Concentração às 9h
Av. Brig. Faria Lima, 64

Amigos Pratododia
Concentração às 12h
Rua Barra Funda, 34

Bloco Esfarrapado
Concentração às 10h
Rua Conselheiro Carrão, 466

Charanga do França
Concentração às 16h
Rua Imaculada Conceição, 151

Cerca Frango
Concentração às 12h
Rua Aimberê, 1146

Para o músico e pesquisador da história do samba, Chico Santana, o movimento do carnaval de rua, surgido nos últimos cinco anos, é explicado por dois pontos. “Primeiro, é uma demanda da cidade pela ocupação do espaço público que vem sendo cada vez mais utilizado e isso se refletiu no Carnaval. Segundo, é um resgate de um espírito carnavalesco mais puro de descontração, de espontaneidade, de fuga do carnaval mercantilizado dos abadás e das escolas de samba. É sair para a rua para brincar”, comenta. André Santos, historiador que também trata do assunto, concorda 100% com Santana, mas levanta ainda outro ponto. “É importante lembrar que o poder público, de dois anos para cá, também encampou a festa e tem estabelecido diálogo com a sociedade para que ela aconteça com tranquilidade”, diz.

Apesar dos conflitos, que já acabaram até com a Polícia Militar jogando bombas e distribuindo cacetadas em foliões, a Prefeitura de São Paulo tem tentado organizar o festejo fazendo com que os dias sejam tranquilos – mas sem estragar a festa – para todos. No site Carnaval de Rua, é possível encontrar informações sobre blocos e medidas que serão tomadas para os dias de festa. Se a única máscara que São Paulo usou nos últimos anos foi a de mal-humorada, o carnaval de rua, cada vez maior, mostra que as coisas já mudaram. A carioca Leandra Leal, que desafiou todos os estereótipos ao sair do Rio de Janeiro para subir no trio elétrico do Baixa Augusta ao lado de Alessandra Negrini, não deixou dúvidas sobre a queda dessa máscara carrancuda: "É lindo São Paulo aceitar o caos do Carnaval, aceitar essa loucura".

Movimentos diferentes

Se a cidade não tem o charme da capital carioca, coisas que podem parecer estranhas para um folião apegado às raízes empolgam quem decide ficar por aqui. Exemplo: fazer um viaduto tremer não com a passagem dos carros, mas com a quantidade de gente que pula e dança em cima dele. Nesse ponto, a afirmação pode parecer estranha, mas o ressurgimento do Carnaval de São Paulo, ao contrário do movimento semelhante que aconteceu no Rio de Janeiro, às vezes tem mais a ver com a cidade em si do que com o samba.

Para os cariocas, o que ocorreu há cerca de 15 anos, quando os blocos tomaram de novo as ruas da cidade, foi um reencontro com antigos conhecidos – o Cacique de Ramos, o Bola Preta, a Banda de Ipanema. São Paulo, ao contrário, tinha perdido quase que por completo sua tradição, quando, em 1968, o Carnaval das escolas de samba, institucionalizado e organizado no Anhembi, acabou com os cordões – como eram chamados os grupos de samba paulista que saiam nas ruas da cidade. Hoje, não é difícil encontrar blocos como o Pilantragi, na zona oeste de São Paulo, que promovem festas o ano inteiro e que agora saem também no carnaval. É curioso que nas festas o público é, em sua maioria, jovem, mas durante os dias de folia, o bloco atrai todo tipo de gente, de todas as faixas etárias. Se no Rio de Janeiro um casal de idosos carnavalescos é comum, na sisuda São Paulo isso representa inconteste novidade. E é exatamente essa nova paisagem humana que se tem notado nos blocos da cidade.

Segundo Santos, poucos grupos em São Paulo têm uma preocupação real de buscar raízes na história do Carnaval da cidade. “Um dos poucos que eu conheço é o Kolombo diá Piratininga que não quer sair como um bloco ou uma escola de samba, mas como um cordão que é a primeira agremiação carnavalesca da cidade. Eles são como um eco de um grupo representado por Geraldo Filme e Plínio Marcos que queriam se distanciar do samba do Rio de Janeiro, revelando as raízes paulistas”, diz. Tradições e preferências musicais à parte, entre bombas e festejos, a festa de rua tem sido também (e talvez principalmente) um retorno à cidade: “São Paulo agoniza, mas não morre”. Vida longa ao carnaval paulistano!

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