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Fernando Coimbra: “É um ‘momentaço’ do cinema brasileiro”

Diretor de ‘O lobo atrás da porta’ concorre ao principal prêmio de direção dos EUA Seu filme, lançado na Espanha em 2013, pôs o Brasil na mira do mercado internacional

Coimbra no Festival de San Sebastián, na Espanha, em 2013.
Coimbra no Festival de San Sebastián, na Espanha, em 2013.Gorka Bravo
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Todo brasileiro ligado em cinema que viajou ao exterior a partir do fim dos anos 90 conhece bem a tríade de filmes nacionais que sustenta a presença cinematográfica do país em mentes estrangeiras: Central do Brasil (1998; Walter Salles), Cidade de Deus (2002; Fernando Meirelles) e Tropa de Elite (2007; José Padilha). Em casa, essas três produções de qualidade, dirigidas por veteranos, foram vistos por milhões de espectadores (somados, quase sete) e só então ultrapassaram as fronteiras verde-amarelas.

Caminho diferente fez o filme que é agora uma espécie de quarta perna dessa estrutura: O lobo atrás da porta (2013), do até então estreante em longas-metragens Fernando Coimbra – cineasta paulista de 39 anos que tem nove curtas premiados no currículo. O lobo primeiro conquistou 40 festivais, depois foi distribuído comercialmente a mais de 45 países espalhados pelo mundo para então aterrissar no Brasil, onde fez meros 30.000 espectadores em salas – número que cresce desde o filme chegou às plataformas de vídeo sob demanda, onde está disponível atualmente.

A carreira internacional de Coimbra – que concorre no próximo sábado, 6 de fevereiro, ao prêmio de melhor diretor estreante do Sindicato de Diretores da América (DGA, da sigla em inglês) – deslanchou junto com o de seu filme, eleito em 2015 o melhor título nacional pela Academia do Cinema Brasileiro e premiado no Festival Internacional de Cinema de San Sebastián, onde debutou, em 2013. Hoje, a crítica especializada vê nele o talento brasileiro da vez, que Hollywood quer importar assim como fez com Salles e Padilha.

Foi assim que os convites internacionais, entre eles o da Netflix para dirigir dois episódios da primeira temporada de Narcos, começaram a pipocar. Em um raro momento de descanso – ao final das filmagens de seu segundo longa-metragem, o drama de guerra Sand Castle (coprodução entre EUA e Inglaterra), previsto para estrear em 2016 –, Coimbra falou por telefone ao EL PAÍS sobre a boa fase do cinema brasileiro e o bem que Dez Mandamentos – O Filme pode fazer ao país.

Pergunta. Como você recebeu a indicação ao prêmio do Sindicato dos Diretores da América?

Resposta. Foi incrível. Não esperava nada mais pelo Lobo, achei que as possibilidades já tinham sido esgotadas quando o filme venceu o Grande Prêmio Brasileiro de Cinema no ano passado – que é superimportante e foi muito bacana. Essa indicação de agora foi uma grande surpresa, ainda mais porque é um reconhecimento de diretores a diretores. Os longas mais falados de 2015 estão aí. É a nata da coisa.

P. Houve algum trabalho especial de divulgação do filme em Hollywood? Como um diretor brasileiro chega em um círculo tão fechado?

R. Não é nada parecido ao Oscar ou ao Globo de Ouro, eventos para os quais os filmes geralmente fazem campanha. O lobo atrás da porta foi inscrito pelo distribuidor internacional, a Outsider Pictures, e não fizemos nada mais. Agora estão sendo distribuídas cópias em DVD para o jurado, e é isso. Acredito que o sucesso do filme fora do Brasil tenha conquistado a indicação.

P. A que você atribui o grande sucesso do filme no exterior?

R. Acho que, por ter uma história que no fim das contas é bastante universal, ele foi bem recebido em diferentes lugares. Só que, ao mesmo tempo, tem muito do subúrbio do Rio de Janeiro – um ambiente muito diferente daquele das favelas e das praias lindas. Também ajudou o fato dele ter uma marca de gênero, ser um thriller de suspense. Para ser sincero, eu tinha dúvidas se funcionaria fora do país, mas funcionou.

P. Sua carreira internacional disparou depois disso. Esse sempre foi o seu objetivo, trabalhar fora do Brasil?

R. Era uma vontade, não um objetivo. Vi uma porta se abrindo no Festival de Toronto, na estreia do Lobo, quando começaram a surgir propostas. Mas você nunca sabe onde seu trabalho vai repercutir.

P. Como surgiu o convite para você filmar dois episódios de Narcos?

R. Uma combinação de coisas me aproximou de Narcos e do José Padilha. Em Toronto, alguns agentes do filme nos EUA falaram do assunto, eu cheguei a conversar com o Padilha, posteriormente ele viu meu filme, e o Lula [Carvalho, diretor de fotografia de Tropa de Elite 2 e de Narcos] também conectou a gente. Finalmente, os produtores da série viram o Lobo, a agenda da série bateu com a minha, e fechamos.

Fernando Coimbra e Wagner Moura em uma gravação de 'Narcos'.
Fernando Coimbra e Wagner Moura em uma gravação de 'Narcos'.Reprodução Facebook

P. Houve alguma restrição de liberdade na direção, já que é uma série com vários diretores e um padrão de cinema de ação?

R. A criação foi tranquila. O Padilha dirigiu os dois primeiros episódios para dar a cara que a série deveria ter. Eu assisti o bruto dos seis primeiros capítulos e dirigi o sétimo e o oitavo. Narcos tem muitos planos longos e elaborados, porque o que os produtores queriam era essa cara de cinema mesmo, e me identifiquei com isso. Claro que essa dimensão de produção foi algo que eu não tinha vivido até então, foi um grande aprendizado. Mas posso dizer que, no fim, os problemas de uma produção pequena e de uma grande são basicamente os mesmos. O que facilita de um lado, dificulta de outro.

P. Por que cinematografias em desenvolvimento, como a brasileira, não costumam abraçar o cinema de gênero?

R. Acho que cinema de gênero sempre existiu no Brasil, ainda que a maioria dos filmes não tenha sido bem-sucedida. São, claro, produções mais modestas por conta de orçamento. Mas a verdade é que o cinema visto como mais autoral tende para o drama, enquanto fazer cinema de gênero é visto como uma coisa menor, própria do cinema comercial norte-americano. Minha geração não tem isso. Não é uma escolha que te faz menos autor, e as pessoas estão incorporando isso.

P. Com o sucesso de Narcos, orquestrada pelo José Padilha, a indicação este ano de Alê Abreu ao Oscar de animação e a sua indicação ao prêmio de diretores, o cinema do Brasil mostra que tem visibilidade fora do país. Essa internacionalização é positiva? Que vantagens você vê nesse processo?

R. Sim. Está aumentando muito a entrada de filmes brasileiros no exterior. Acho que o mercado internacional começou a entender melhor o que fazemos por aqui. O país mudou muito, e nossos temas também. Esperavam mais do mesmo – favela etc –, mas hoje, por exemplo, nossa classe média é uma nova questão, e há outras. Demorou para que os festivais se abrissem para o nosso cinema, mas acho que com filmes como O som ao redor [de Kleber Mendonça], Hoje eu quero voltar sozinho [Daniel Ribeiro] e O lobo atrás da porta isso começou a mudar. Por outro lado, o país está acordando para as coproduções internacionais, colocando seus filmes no mercado. Houve um amadurecimento também. Estamos vivendo um momentaço do cinema brasileiro lá fora. Nos Estados Unidos, por exemplo, chegam mais filmes nacionais, e o Wagner Moura está estourando lá. É um pouco o que aconteceu com o México. O Brasil está indo nesse rastro, ainda que seja outro processo.

P. Você acaba de dirigir um filme britânico, Sand Castle. Seu próximo projeto também é internacional?

R. Não, é brasileiro. Chama-se Os enforcados. É um longa-metragem cujo roteiro participou do laboratório de roteiros do Festival de Sundance. A história se passa na Barra, na zona sul do Rio de Janeiro, e aborda o jogo do bicho – um universo de corrupção, ampliado no enredo, que inclui uma relação entre marido e mulher. É um thriller também, um pouco como o Lobo, mas mais irônico”. Em Sundance, a história foi bem recebida pelos roteiristas. O próximo passo é captar recursos para filmar o projeto.

P. O que você opina sobre uma megaprodução nacional como Dez Mandamentos – O Filme?

R. Com certeza, não vou ver, mas também não vou ficar falando mal. As pessoas falam mal das comédias, mas esse tipo de produção estritamente comercial é algo que existe em qualquer indústria e que alimenta constantemente o mercado. O que eu quero é ver o mercado brasileiro funcionando, com seu próprio star system. Assim, mais e mais filmes podem ser feitos, e uma cultura de cinema nacional começa a se solidificar.

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