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As ‘bonequinhas’ do tempo

Apresentadoras do tempo, de saia curta e curvas, são o produto mais rentável da TV do México e são criticadas por feministas

OSCAR A. SÁNCHEZ
Elena Reina
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Espanam cuidadosamente o pó até o último poro. Não há espaço para as olheiras humanas das 5h da manhã. Nem um rastro de mulher normal. Seus rostos de porcelana estão prontos para a gravação. O corpo que se sobrepõe às chuvas ou anticiclones é mais relevante para muitos espectadores do que as informações meteorológicas. Há quem silencie a TV para que a voz delas não perturbe a visão. São as garotas do tempo no México, o produto mais rentável da programação na TV. Elas contam sua história.

— Todas as mulheres são bonitas e não precisam de tanta maquiagem para transmitir o que são.

— Então, por que não aparecem de cara limpa?

— Porque temos uma grande responsabilidade. Somos mulheres que servem de inspiração para as outras.

Quem fala é Yanet García, que aos 25 anos se tornou um verdadeiro fenômeno viral no México e nos Estados Unidos como apresentadora do tempo. Seu corpo atlético desafia a gravidade sem medo; até os apresentadores da rede na qual trabalha, a Televisa Monterrey, alertam os telespectadores, em tom de brincadeira, que ela pode ter vindo de outro planeta, enquanto exibem suas curvas. Em poucos meses, conseguiu ser a estrela do canal. Não se importa de ser tachada como mulher-objeto: "As críticas negativas são ignoradas", afirma.

No final, é uma TV comercial. Se o patrocinador tem diante uma mulher bonita, o impacto de seu produto vai ser maior Mauro Morais, meteorologista-chefe da Televisa Monterrey

"Claro que as garotas se inspiram nela. Você escuta isso a vida inteira, não importa o que você estude, sua formação. No final, a pontuação máxima para uma mulher é ser bonita. É quase impossível sair desse esquema", diz, resignada, Ana Francis, que faz parte de um grupo de feministas e ativistas chamado Las Reinas Chulas. Ela alerta sobre o papel da mulher no México: "Quando você acha que conseguiu o melhor posto na profissão, há sempre um momento em que fazem você ver que já não é mais a dona do mundo. Fazem você lembrar que, no máximo, é a capataz da fábrica. Os proprietários são eles".

Por trás do sucesso das garotas do tempo sempre há um homem. "Sou muito agradecida a Deus, por tantas bênçãos, e, especialmente, a Mauro Morales, que foi quem me impulsionou e me ensinou todos os dias como devo fazer as coisas", diz García sobre seu chefe.

É um homem quem as treina, prepara; costuma ser um meteorologista ou alguém especializado nesse tipo de informação. Eles precisam ter experiência; elas, uma dieta saudável e que sejam "agradáveis diante da câmera”. "Devemos estar conscientes de que é um canal de TV comercial. Devemos isso ao nosso público e aos nossos anunciantes. Obviamente, se o patrocinador tem diante uma mulher bonita, o impacto de seu produto será maior. E isso significa um grande lucro a todos", diz Morales, chefe de meteorologia da Televisa Monterrey.

O platô pelo qual desfilam as apresentadoras do tempo parece mais o photocall de um tapete vermelho: todas exibem vestidos com grandes decotes ou completamente justos; ou ainda, minissaias e salto alto. "Dizem que devemos estar bonitas e magras, não esqueléticas. Mas não dizem como devemos nos vestir", disse Arlett Fernández, de 35 anos, apresentadora do tempo do grupo Multimedios y Milenio Televisión há 11 anos. E acrescenta: "Não venho como outras para desfilar, se quiser fazer isso vou a uma passarela. Estou em um jornal sério, as pessoas captam sua credibilidade".

Mas, em alguns quadros da previsão do tempo, as apresentadoras giram o corpo de um jeito forçado e ficam de costas para a câmera, e até se curvam para mostrar as temperaturas. Movimentos ensaiados e executados com perfeição. "É importante estar em forma. Eu me coloco no lugar de um espectador e, se vejo alguém feio, mudo na hora! Há homens que me silenciam e não estão mais me assistindo", diz, rindo, Gabriela Lozoya, de 30 anos, colega de Yanet García na Televisa.

O machismo no México faz parte da identidade nacional, vem desde a Revolução e persiste até nas rancheiras. A televisão é apenas um reflexo da realidade de nosso país Marta Lamba, feminista

"O mais difícil do meu trabalho é provar, a cada dia, que não sou apenas um rosto bonito, que também sou uma boa profissional", afirma Zelenny Ibarra, de 36 anos, apresentadora do tempo no grupo Multimedios y Milenio Televisión há 10 anos.

Tudo começou em 2000, quando outras redes de TV entraram na competição. Desde então, a luta por um público cada vez mais fragmentado encurtou as saias e jogou para escanteio os tradicionais homens do tempo. Estes são apenas chamados em casos de emergências climáticas graves. No grupo Milenio, tentaram incluir um homem no quadro e não funcionou, “os donos não acharam uma boa ideia", confessa Abimael Salas, meteorologista-chefe da Multimedios y Milenio Televisión.

"O machismo no México faz parte da identidade nacional, vem desde a Revolução e persiste até nas [músicas] ‘rancheiras’. A televisão é apenas um reflexo da realidade do nosso país", diz Marta Lamas, uma das figuras mais influentes do movimento feminista mexicano. Salas concorda com essa percepção e conclui: "Alguém um dia pensou que seria uma boa ideia colocar uma mulher para apresentar o tempo e iniciou uma tendência que ninguém mais pode parar".

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