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“Kendall Jenner na Calvin Klein é um sinal dos tempos em que vivemos”

Diretor de criação da marca fala do impacto das redes na moda e prevê uma revolução na indústria

Francisco Costa, diretor de criação da Calvin Klein.
Francisco Costa, diretor de criação da Calvin Klein.Mauro Pimentel
María Martín

O diretor de criação das coleções de mulher de Calvin Klein veste camisas de 40 dólares. Francisco Costa (Minas Gerais, 1964) substituiu o famoso estilista e criador da marca americana 12 anos atrás, quando a grife foi comprada pela companhia Philips-Van Heusen. Antes, Costa havia trabalhado com Tom Ford, na Gucci, e com Oscar de la Renta, a quem considera seu mestre.

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Costa acaba de voltar de Bento Rodrigues, em Mariana, onde comprovou com seus próprios olhos o já considerado o maior desastre ambiental do Brasil. “Me chocou muito”, diz. A viagem foi parte da busca recente do estilista por contribuir à sociedade, um “chamado” que sentiu pouco tempo atrás e que ainda não sabe como materializar. “Eu tenho uma voz e eu preciso sentir uma responsabilidade, preciso devolver o que me foi dado”.

Durante a entrevista, no exclusivo hotel Fasano, no Rio, Costa revela que o ritmo atual de criação e venda de coleções não funciona, que às vezes uma celebridade das redes sociais é melhor escolha que uma top model para vestir suas roupas e por que a marca apostou pelo polêmico Justin Bieber na última campanha.

Pregunta. A França tem proibido modelos extremamente magras desfilarem. O que você pensa dessa iniciativa?

Resposta. Eu acredito que seja uma discussão muito sábia, a fim de apoiar a saúde das modelos, mental e física. Um grande número de modelos jovens estão sujeitas a uma forte pressão. Se tivermos regras em nosso mercado, isso só irá ajudar o sistema. Além disso, estamos em um momento de transição.

P. Que mudanças você prevê na indústria da moda?

R. Vai ser uma revolução. Com o ritmo acelerado em que vivemos e a ascensão rapidíssima do e-commerce, nós designers, como a indústria, somos obrigados a olhar para tudo e reconsiderar. Atualmente, o calendário de eventos de moda e produção não suporta essa demanda cada vez maior, que exige rápido novos produtos para poder comprá-los em seguida. Vai mudar o jeito em que você mostra a moda, em que você entrega a moda... Um bom exemplo de quem já teve essa visão e a fez realidade é a Zara. Em termos de funcionalidade, eles fazem oito, nove entregas por ano, cada semana a oferta é diferente, essa é a precisão que acompanha o mundo atual e que questiona essa letargia da alta costura.

P. A Calvin Klein foi revolucionária e capaz de criar supermodelos. A estratégia de marcas mudou? Ou já não é mais possível ou necessário a fabricação de uma supermodelo?

R. Bem, a estratégia de uma marca está sempre mudando e evoluindo; devemos evoluir. O mundo e os nossos clientes são tão educados e informados como nunca na história da moda. Então, nossa estratégia tem que ser mais esperta sempre. É preciso mais do que um rosto lindo para vender um produto. Assim, enquanto não é uma necessidade, uma supermodelo é um ativo valioso para a nossa equipe. Eu acredito que ainda estamos na vanguarda de novos talentos e introduzindo rostos que passam a ter uma grande carreira. Karlie Kloss é um exemplo. Ela estreou em nosso desfile de Primavera de 2008, e tornou-se um enorme sucesso.

P. O mundo da moda vai ter um nova Gisele Bündchen?

R. Bem, só pode haver uma Gisele, uma Christy Turlington, e por aí vai. Haverá sempre uma nova cara que todo mundo adora. Assim como a moda, a adoração é um movimento, sempre mudando a entidade, sempre se reinventando. A gente tem trabalhado com Kendall Jenner, que foi nossa cara da coleção de jeans, logo no início da carreira dela. Fomos criticados, pelo fato de ter pesado na escolha o fato de que ela tinha milhões de seguidores no Instagram. Poderíamos ter errado, não sabíamos se ela tinha essa luz, mas hoje não nos criticam mais porque ela tem uma personalidade e é super talentosa. Eu não digo que essas escolhas sejam certas ou erradas, mas é um sinal dos tempos em que vivemos.

P. Foi esse critério da popularidade o que levou a Calvin Klein a contratar o polêmico Justin Bieber?

R. Foi a mesma motivação. Mas é que a marca é polêmica. Não podemos esquecer as raízes da marca, temos que ser provocativos. A marca sempre foi controversa e inovadora. Ninguém esquece a campanha com Mark Wahlberg dos anos 90. Buscamos sempre ser provocativos e culturalmente relevantes.

P. As celebridades de mídias sociais têm a capacidade de se transformar em uma supermodelo?

R. No caso de celebridades, é diferente, é negócio. Vestir celebridades gera uma consciência incrível de retorno global. O consumidor de hoje usa mídias sociais de forma consistente, a visibilidade imediata dessas mídias para celebridades é inestimável. As redes sociais, e todas as suas personalidades, são vitais para a economia rápida da moda que vivemos nos dias de hoje. Três exemplos recentes de exposição inacreditáveis graças à mídia social são, Brie Larson, que acaba de ganhar o Globo de Ouro, Kendall Jenner vestindo um de nossos vestidos de alta costura no Met Gala, e o surpreendente o vestido de pérola de Lupita Nyongo no Oscar do ano passado! Essas celebridades sociais são hoje muito importantes, mas eu não acho que que essas pessoas vão substituir ou haverá um desaparecimento total da super top model.

P. Os produtos da Calvin Klein são um dos mais falsificados no mundo. Como a pirataria tem prejudicado a marca?

R. Não nos afeta agora tanto quanto no passado. Os produtos falsificados nunca poderão trazer a mesma qualidade, ou usar os materiais sofisticados com os quais trabalhamos. Inovação de tecidos é muito importante dentro da marca, e mantém o nosso produto elevado, as cópias geralmente usam tecidos inferiores.

P. Como é vista a moda brasileira no resto do mundo?

R. Essa é uma pergunta difícil porque há muitos anos que estou fora. Eu sempre citava a Osklen como uma marca brasileira que funcionou, mas você tem o trabalho maravilhoso e evoluído de outras pessoas. Mas existe um problema para fazer moda no Brasil que são as taxas altíssimas. Falta mão de obra especializada, matéria prima adequada, a dificuldade de importação e exportação... É difícil desenvolver teu trabalho com essas barreiras.

P. Há 12 anos que você é diretor criativo da Calvin Klein. Qual é o seguinte passo? Você terá uma marca própria?

R. Eu estou aqui há 12 anos e é um trabalho muito grande. Eu não sei se eu percebi, a princípio, o quanto grande seria este trabalho. A cada nova coleção, muitas vezes sinto que estou apenas começando mesmo depois de 12 anos. Porém, me sinto confortável e gosto das incertezas do dia a dia. Para mim, esse tipo de instabilidade leva a um maravilhoso processo criativo. Quero fazer uma coisa pessoal? Sim, gostaria. Mas seria algo com um viés social, que contribuísse para a sociedade.

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