‘Os Oito Odiados’: cinema do oeste ou teatro do oeste?
O início é um prazer para os olhos: uma diligência cruza uma bela paisagem enquanto neva e o som do vento nos envolve
Li em alguma entrevista com o mais esperto de todos, convicção não só presente em Quentin Tarantino mas também os infinitos adeptos de seu cinema, que ele pretende fazer três westerns (como o seu querido Sergio Leone) e que tem certeza de que esses filmes não agradariam John Ford. A segunda afirmação expressa a sua lucidez. É mais do que provável que o criador de No tempo das diligências, Paixão dos fortes, Rastros de Ódio e O homem que matou o facínora faria uma careca desdenhosa diante da concepção que Tarantino tem do western e de sua veneração por esse gênero horrível e degradante que é o spaguetti-western. Entre outros motivos, porque Ford procurava fazer com que acontecessem muitas e complexas coisas em espaços abertos, na impressionante paisagem de Monument Valley, nunca expôs muito sangue para falar de violência e não admitiria que um western se passasse quase inteiramente no interior de uma hospedaria. Também tinha alergia de imagens em câmera lenta e do uso do zoom.
Os Oito Odiados (um título medonho) é o segundo faroeste e o oitavo filme de Tarantino, como nos revela jocosamente nos créditos a exagerada egotrip do diretor. Achei fascinante o filme anterior, o cínico e brutal Django livre, o mais contundente e selvagem retrato que já vi sobre o racismo, muito mais impactante, corrosivo e radical do que o ganhador do Oscar Doze anos de escravidão. O talento é sempre mais eficiente do que as boas intenções. E o de Tarantino é inquestionável.
O começo de Os 8 odiados é um prazer para os olhos. Uma diligência cruza uma bela paisagem enquanto neva sem parar, e o som do vento nos envolve. A música de Morricone soa profunda e épica. A prazerosa sensação de que a ação se desenvolverá nos amplos horizontes dura pouco, uns quinze ou vinte minutos. O restante (e são três horas de filme) se passa em espaço claustrofóbico de uma hospedaria isolada. E os personagens, pitorescos, falam sem parar. Todos nós sabemos que Tarantino é um excelente criador de diálogos, com um estilo inconfundível, original, com um senso de paradoxo muito acentuado. Mas, às vezes, o excesso de conversas brilhantes me cansa.
‘Os Oito Odiados’
Direção: Quentin Tarantino.
Intérpretes: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh.
Gênero: wéstern. EUA, 2015.
Duração: 187 minutos.
Sei que o duelo estabelecido por meio de palavras é a construção de uma boneca russa. Que o desfecho nos surpreenderá, que as intenções dos personagens não são as que parecem ser, que Agatha Christie já exercitou esse jogo mortal em Os dez negrinhos, mantendo até o final o suspense quanto à identidade e as motivações do assassino. Neste caso, todos o são, desde os caçadores de recompensas ortodoxos ou heterodoxos, bandidos tontos ou refinados, militares filosóficos e sanguinários sulistas ou unionistas, todos eles com um linguajar pausado e gatilho rápido, pessoas perigosas cujos destinos não saberemos até o fim do filme.
Há coisas, como sempre acontece com Tarantino, que funcionam maravilhosamente nesse filme, como a criação do clima, a progressão do suspense, as réplicas e tréplicas ácidas, os atores habituais de Tarantino cumprindo obedientemente as ordens de seu diretor. Mas me parece que há filme demais (as sequências densas e muito longas em um único cenário, como a do começo de Bastardos Inglórios ou a cena da taverna ou a da mansão do infernal DiCaprio em Django Livre, são modelares, mas não ocupavam 90% do filme, como em Os 8 odiados) e uma complacência gore com o derramamento de sangue, além do fato de o tema principal da música de Morricone ser utilizado de forma rangente, soando a dodecafonia. Tarantino gosta demais de si mesmo. Imagino que agradará aos fãs. No meu caso, foi mais ou menos.