_
_
_
_
_

‘El Chapo’ se encontrou com Sean Penn às escondidas em outubro

O ator entrevistou o narcotraficante durante sete horas A reportagem foi publicada pela revista 'Rolling Stone'

Jan Martínez Ahrens

Nasceu pobre, jamais buscou problemas e quer morrer em paz. É com esse retrato seráfico que o impiedoso Joaquín Guzmán Loera, El Chapo, quer se apresentar ao mundo. E, para isso, escolheu um surpreendente caminho. Após sua fuga de uma prisão de segurança máxima, o narcotraficante se reuniu em segredo com o ator norte-americano Sean Penn para uma entrevista que foi publicada pela revista Rolling Stone neste domingo.

Sean Penn e El Chapo Guzmán.
Sean Penn e El Chapo Guzmán.'Rolling Stone'.

O encontro entre o líder do Cartel de Sinaloa, detido na sexta-feira após um sangrento enfrentamento com a marinha mexicana, e a estrela norte-americana ocorreu em outubro, em um lugar que a publicação apenas descreve como “montanhoso e selvagem”. O formato eleito foi um jantar, que contou também com a presença da atriz mexicana Kate del Castillo, famosa por seu marcante papel na série La reina del sur (2011). Em janeiro de 2012, em plena guerra contra o narcotráfico, Castillo afirmou publicamente que confiava mais no El Chapo que no Governo.

Mais informações
El Chapo caiu por tentar rodar em plena fuga um filme sobre sua vida
El Chapo Guzmán, preso no México
Cartéis de drogas fortalecem sua presença na capital mexicana
“Sem El Chapo há mais roubos e desemprego”, diz prefeito da cidade do narcotraficante

O evento, para o qual Joaquín Guzmán Loera vestia camisa de seda e calças pretas justas, não foi o único contato dele com Penn. Posteriormente, continuaram a se falar através de ligações com Blackphone (um telefone que criptografa a comunicação), trocaram e-mails com contas anônimas e houve também um vídeo entregue por um mensageiro a Castillo, a verdadeira intermediária do encontro.

"Forneço mais heroína, metanfetamina, cocaína e maconha que qualquer um no mundo. Tenho frotas de submarinos, aviões, barcos e caminhões"

Tudo isso enquanto as forças de segurança mexicanas mobilizavam milhares de soldados e policiais em busca do capo foragido. A reunião, que durou sete horas, se encaixa perfeitamente com as delirantes tentativas de El Chapo para iniciar as gravações de um filme sobre sua vida. Uma pretensão que o fez entrar em contato com atores e diretores enquanto estava escondido e que, segundo o próprio Governo mexicano, forneceu uma pista-chave para localizá-lo e realizar a primeira operação de captura.

Embora tudo indique que foi, precisamente, o encontro com Penn que levou as forças de segurança até o esconderijo do narcotraficante nas montanhas de Durango, nenhuma fonte oficial confirmou tal hipótese. O que o próprio ator reconhece em seu texto, um relato em primeira pessoa repleto de meandros discursivos, é que, depois do jantar, ficaram para fazer a entrevista, mas os operativos militares que chegaram pouco tempo depois frustraram a reunião, obrigando-o a fazer as perguntas através de terceiros, sem possibilidade de réplica e em vídeo.

Na primeira parte da entrevista, que corresponde às conversas com o ator, Guzmán Loera, apesar de elusivo e vulgar, deixa cair a máscara. Se durante anos, em um exercício de imenso cinismo, negou dedicar-se ao narcotráfico, diante da estrela de Hollywood, admitiu seus negócios sujos e não hesitou em vangloriar-se do imenso poder de seu cartel, considerado o maior do planeta. “Não quero ser retratado como uma freira. Forneço mais heroína, metanfetamina, cocaína e maconha que qualquer um no mundo. Tenho frotas de submarinos, aviões, navios e caminhões”, afirmou.

Também não mostrou arrependimento por sua carreira criminosa nem pelos massacres atribuídos a ele ao longo de três décadas: “Olha, eu me defendo, e nada mais. Se eu começo os problemas? Nunca”.

A atriz Kate del Castillo na série 'La reina del sur' (2011).
A atriz Kate del Castillo na série 'La reina del sur' (2011).Juan Manuel García

Mas o tom que El Chapo utiliza no vídeo gravado com posterioridade, em resposta às perguntas enviadas por Penn, é diferente. Aí emerge outro Guzmán Loera. Um que evita qualquer problema e que se mostra suspeitosamente humilde. Conta que começou a trabalhar aos seis anos de idade, colhendo laranjas e vendendo doces e bebidas em sua cidade natal, Badiraguato, na Sierra Madre, e que, para “sobreviver”, aos 15 anos, decidiu plantar e vender maconha e ópio. Nesse ponto, reconhece que, sem chegar a ser viciado, consumiu drogas, mas que já faz duas décadas que não toca nenhuma. “As drogas destroem. Infelizmente, onde eu cresci, não havia outra forma de sobreviver, e continua sendo assim”.

– Acha que é verdade que você é o responsável pelos altos índices de consumo de droga no mundo?

– Não, isso é mentira, porque o dia em que eu não existir mais, o consumo não vai diminuir de nenhuma forma.

– Você viu o fim que teve Pablo Escobar. Como imagina seus dias finais em relação a esse negócio?

– Sei que algum dia morrerei. Espero que seja de causas naturais.

O vídeo, do qual apenas dois minutos foram divulgados publicamente, foi filmado em uma fazenda, ao ar livre. O canto de um galo interrompe a gravação sem cessar.

Sentado e sem bigode, El Chapo não se prolonga em nenhuma das respostas. Em certos momentos, inclusive é possível notar que se sente incômodo. Responder por seus atos nunca foi seu forte.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_