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Coluna
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O que só Carolina não viu

Carol não sabia que os barracos natalinos são fatais – muita gente sai para comprar a ceia e não acerta mais o caminho de volta.

Carolina sabia que o seu amor estava por um fio, mas Carolina, nem em pesadelo imaginava que o fim seria agora, nas cinzas desse 2015 que teima em não desfolhar de vez o calendário. Carol não sabia que os barracos natalinos são fatais – muita gente sai para comprar a ceia e não acerta mais o caminho de volta. Foi o caso.

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Carolina não havia lido as frias estatísticas sobre o aumento do número de divórcios na virada de ano. Carolina não viu e nem leu nos olhos do moço os sinais de fraqueza e desistência. Todo homem anuncia, nas entrelinhas dos vacilos, o apocalipse. Carolina não viu que ele andava frio na cama, acreditou nas desculpas não-solicitadas do cansaço, do stress no emprego, da carga pesada do trabalho e os dias.

O amor estava por um fio...

Carolina sempre escreveu a este cronista e consultor sentimental em momentos delicados. Desde o seu primeiro rolinho primavera amoroso, ainda em 2000. Ela completara seus 15, pelo que me lembro.

Carolina, para se ter ideia do alheamento do mundo, nem comentou sobre o cerco fascista ao xará nesse tempo da indelicadeza. Nada disse sobre o assunto.

Carolina sabe pouca coisa a essa altura. Uma delas é que seu batismo, como o de milhares de moças parecidas, pode ter sido inspirado na canção homônima do Chico. Carolina até transa política, mas não agora. Carolina, para se ter ideia do alheamento do mundo, nem comentou sobre o cerco fascista ao xará nesse tempo da indelicadeza. Nada disse sobre o assunto.

“Onde queres Leblon, sou Pernambuco”, provoquei Carolina, recifense que hoje habita a cidade de São Paulo.

Mulher de 30 anos, C. confessa que nunca viu o amor vingar de fato. Contesto. O amor não precisa ser eterno. Tento ativar a memória da moça, bloqueada a essa altura. Relembro para ela os namoros e rolos que deixaram algumas marcas –  as cartas enviadas a este conselheiro são provas. Nada, porém, conforta a moça neste fiapo de infeliz ano velho.

Carolina namorava havia quase dois anos. O tipo de namoro que demorou para incendiar as horas e que ainda não havia chegado naquele estágio de “todos los fuegos, el fuego.” Que vacilão esse cara, oito anos a mais do que ela. Que vacilão, meu Deus, tudo lindamente planejado por ela, incluindo o Revèillon na praia de Carneiros, litoral sul pernambucano.

O cara simplesmente desapareceu, como na lenda do homem que sai para comprar cigarros. O king size sem filtro do abandono. Sem deixar pelo menos um bilhete na porta, como no samba do Arnesto. Um fumegante chá de sumiço.

Mulher de 30 anos, C. confessa que nunca viu o amor vingar de fato. Contesto. O amor não precisa ser eterno.

Sim, está vivíssimo. Não foi vítima de nenhuma violência urbana. Carolina, cujos olhos guardam tanta dor, viu apenas os passos do desalmado nas redes sociais. Em uma daquelas festas de confraternização de amigos. Sorriso cínico abraçando a chefe do seu departamento na firma.

Sim, haviam brigado. Desentendimento de rotina, aquelas rusgas tão comuns no final do ano dos casais. Carolina não sabia é que ele seria tão menino ao ponto de cair fora. Tempo de homens vacilões, tento de novo confortá-la. Não lhe merece etc. Palavras de consolação ao vento.

Folhetim

Ah, Carolina, tenta mudar de personagem entre as mulheres das canções de Chico. Aconselho. Que tal fazer como aquela fêmea madura e bem-resolvida, a que diz mais ou menos assim: “...E já não vales nada, és página virada descartada do meu folhetim”.

Vira essa página, Carolina. Sei que não é fácil, mas o que posso dizer a essa altura?

Como toda mulher revoltada, Carolina, pega o primeiro que encontrar pela frente, aquele homem que bebe na calçada da tua esquina. Quem dera fosse assim tão simples, não é, minha amada leitora? Ah, mata esse infeliz-das-costas-ocas, a punhaladas, nem que dê primeira página, cenas de sangue num bar da Vila Madalena. Pelo menos agora ela riu da minha proposta maluca. Rimos. Vida, teu nome é tragicomédia.

Ah, Carolina, escuta o Chico, o Roberto das antigas, o Leonard Cohen, a tua estimada Cat Power, Waldick. Vanusa... Enche a cara com um brega... E fica o mantra: quando a vida dói/ drinque caubói”.

Mil perdões, Carolina, realmente não é uma missão fácil de aconselhamento. Fica o meu afeto e conte sempre com o ombro do cronista. Mais sorte no amor em 2016. Beijos.

Xico Sá, escritor e jornalista, é comentarista dos programas Papo de Segunda (GNT) e Amor & Sexo (Globo).

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