_
_
_
_
_

Desvalorização do peso afeta bairros pobres da Argentina

Macri oferece bônus natalino a sete milhões de pessoas devido ao “deslizamento dos preços”

Refeitório Pekenitos em Rafael Calzada, Buenos Aires, durante festa natalina na quarta-feira.
Refeitório Pekenitos em Rafael Calzada, Buenos Aires, durante festa natalina na quarta-feira.Ricardo Ceppi
Mais informações
América Latina, ameaçada pela coincidência de várias crises
Macri entra na primeira polêmica ao nomear juízes por decreto

O Natal no refeitório Pekenitos foi mais austero do que o esperado. Juan Argañaraz, chefe de cozinha de uma pizzaria, criou o espaço há seis anos em sua casa em Rafael Calzada, na periferia de Buenos Aires, para alimentar 30 crianças. Em 2015, o número foi aumentando gradativamente até chegar a 140 crianças e 15 mães. As famílias receberam carne, batatas, ovos e pêssegos para a ceia de Natal, mas, de uma semana para outra, descobriu que a despesa não custaria 7.000 pesos (2.000 reais), como previsto, mas 9.000, ou 28,5% mais. Juan, que ganha 10.000 pesos (cerca de 3.000 reais) por mês e que, com esse orçamento, sustenta a esposa e seis filhos, teve de pedir mais recursos aos amigos que o ajudam.

A Argentina já estava sofrendo com uma inflação alta há dez anos, com uma taxa anual de 24% em outubro. Mas, desde que o liberal Mauricio Macri tornou-se o candidato presidencial favorito para derrotar o kirchnerista Daniel Scioli, sua promessa de liberar o controle sobre a taxa de câmbio, com a consequente desvalorização do peso, favoreceu a especulação sobre os preços. O controle estabelecido em 2011 pelo Governo de Cristina Kirchner foi eliminado há uma semana, e a moeda argentina se desvalorizou 25,7%. Segundo as consultorias Elypsis e C&T, em outubro a taxa de inflação mensal teria sido de 1,5%; de 2% em novembro; e, em dezembro, a previsão é de que o índice suba para 3,5%.

A associação Consumidores Livres alertou que, na primeira quinzena de dezembro, ou seja, antes da desvalorização da moeda, os preços subiram especialmente para a carne, macarrão, água, farinha de trigo, sabão em pó, erva-mate (a infusão mais popular na Argentina) e leite. Antes da desvalorização, Macri eliminou os impostos sobre as exportações agrícolas, o que também causou impacto sobre os preços domésticos dos alimentos.

Em um refeitório da Grande Buenos Aires, moradores relatam aumento dos preços dos alimentos

O novo presidente reagiu ao que chamou de "deslizamentos em alguns preços na cesta básica". Nas segunda-feira, anunciou um bônus de Natal de cerca de 100 reais para 3,6 milhões de crianças de desempregados e trabalhadores informais — que mensalmente recebem um subsídio universal de 225 reais por filho — e para 3,3 milhões de aposentados com pensão mínima de aproximadamente 1.160 reais. O anúncio fez com que sindicatos de esquerda e kirchneristas suspendessem um protesto planejado para o dia seguinte na Praça de Maio. Ao mesmo tempo, o novo Governo rejeitou por decreto uma gratificação natalina a todos os funcionários públicos e privados.

Rosa Pereira, de 80 anos, começou a frequentar o Pekenitos há apenas dois meses. "Quem é o culpado pelos aumentos? Ninguém assume a responsabilidade, mas aumentam. Tenho de comprar tênis, mas subiram 70 pesos [19 reais], e vou ter de esperar outra oportunidade ", diz Rosa, resignada, com um sorriso.

Gisela Galeano, 27, frequenta o refeitório há seis meses e está convencida de que Macri irá suspender o subsídio de seus dois filhos. A campanha kirchnerista, que incutiu o medo contra o então candidato da oposição, causou tanto impacto em Galeano que nem sequer o bônus de Natal a convence de que o novo presidente manterá a ajuda, iniciada por Cristina Kirchner, em 2009. "Antes do presidente assumir [o poder], o quilo de ‘milanesa’ (escalope à milanesa) subiu de 70 pesos para 140. Esta semana, caiu para 98 [26 reais], não sei se porque o açougueiro não estava vendendo nada", disse Galeano.

A nova ministra do Desenvolvimento Social da Argentina, Carolina Stanley, admitiu na segunda-feira que o índice de pobreza no país gira em torno de 20% ou 25%, e não os 32% que Macri denunciava durante a campanha. Sua promessa é reduzir esse índice para zero. O tempo dirá.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_