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Apple resiste a que os Governos invadam a privacidade na Internet

Os gigantes tecnológicos rejeitam o projeto britânico de ter acesso a mensagens 'online'

Pablo Guimón
Cliente em uma loja da Apple em Londres.
Cliente em uma loja da Apple em Londres.S. Plunkett (Reuters)

As empresas tecnológicas entraram com disposição no acirrado debate sobre a conveniência ou não de que os Governos tenham maiores poderes para ter acesso às comunicações digitais dos cidadãos. O Parlamento britânico tramita um projeto de lei que pretende dar à polícia o acesso aos registro do uso da Internet dos cidadãos, algo que o Governo considera essencial para combater o crime e a ameaça terrorista. Liderando a contraofensiva do Vale do Silício, a Apple encaminhou um documento com suas objeções ao Comitê Parlamentar que discute a legislação, cuja fase de consultas públicas encerrou-se na segunda-feira passada, dia 21 de dezembro.

A empresa mais valiosa do mundo considera que a lei, se for adiante, comprometeria a segurança “dos dados pessoas de milhões de cidadãos honrados”, obrigaria a empresa a hackear seus próprios produtos e abriria um perigoso precedente com potencial de disparar “sérios conflitos internacionais”, em um contexto no qual países de todo o mundo debatem como adaptar seus serviços de inteligência à era digital. Outras grandes empresas do setor, como Microsoft, Facebook, Google, Twitter e Yahoo, segundo a BBC, também encaminharam suas objeções ao Parlamento, apesar de não as terem tornado públicas.

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“Acreditamos que seria equivocado reduzir a segurança de centenas de milhões de clientes que respeitam a lei com o objetivo de atingir os poucos que representam uma ameaça”, afirma a Apple no documento de oito páginas enviado ao Parlamento britânico. “Neste contexto de ameaças cibernéticas que evolui com grande rapidez, as empresas devem continuar livres para implementar fortes encriptações que protejam seus clientes.”

As escolas deverão agir contra a radicalização ‘online’

O Governo britânico anunciou que endurecerá as obrigações das escolas na prevenção e detecção da radicalização online dos alunos. A medida é uma reação a relatórios que revelam que jovens que viajaram ou tentaram viajar à Síria, com o objetivo de unir-se ao Estado Islâmico, foram doutrinados a partir dos computadores em sala de aula. Os responsáveis pelas escolas devem instalar sistemas, como filtros que detectam a busca de determinadas palavras, para monitorar o uso da Internet nos computadores escolares. O Ministério da Educação também publicará dois guias, um para pais e outro para redes sociais, para garantir a segurança dos menores na Internet.

O projeto de lei britânico, apresentado no mês passado pela ministra do Interior, Theresa May, prevê conceder à polícia e aos serviços de inteligência acesso aos registros do uso da Internet de todos os cidadãos britânicos sem a necessidade de ordem judicial. Caso além disso também queiram ter acesso ao conteúdo de tais comunicações, acrescenta o projeto, seria obrigatória a autorização do Ministério do Interior e de um grupo a ser criado de supervisores judiciais.

A Apple cria alguns de seus produtos utilizando uma técnica de encriptação mediante a qual apenas o emissor e o receptor da mensagem conseguem ler o conteúdo desencriptado. Atualmente, a empresa oferece – garante – dados sobre as comunicações quando lhes é solicitado. Mas não o conteúdo das mesmas. A legislação atual obriga as empresas a tomar medidas razoáveis para fornecer os conteúdos das comunicações se forem solicitadas mediante ordem judicial, mas não lhes exige que projetem seus sistemas para permitir isso.

“A criação de portas traseiras e possibilidades de interceptação enfraqueceria a proteção e colocaria todo mundo em perigo”, defende a empresa. “Uma chave deixada embaixo do capacho não estaria ali apenas para os bons. Os maus poderiam encontrá-la também.”

A Apple também aponta um problema de ampliação dos limites, ao questionar o alcance internacional pretendido por uma lei de âmbito nacional. A lei determina que as empresas deverão atender seus pedidos de informação independentemente do país em que estejam sediadas e onde se encontrem os dados solicitados. “Isto poderia ser o catalisador para que outros países aprovem legislações similares, paralisando as multinacionais sob o peso do que poderiam ser dezenas ou centenas de leis nacionais contraditórias”, adverte a Apple.

As empresas norte-americanas resistem ao pedido, argumentando que, se acatarem a lei britânica, outros Governo exigiriam o mesmo direito, podendo entrar em conflito com as legislações sobre privacidade dos Estados em que se encontram os dados solicitados. Países como China e Rússia, advertem, que expressaram seus desejos de endurecer seus regimes de vigilância na Internet, não ficariam imóveis se o Reino Unido levasse adiante essa legislação.

O Comitê Parlamentar encarregado de processar as opiniões dos especialistas sobre o projeto de lei confirmou que recebeu o documento da Apple, ainda que não tenha publicado seu conteúdo, ao qual, neste caso, os principais meios de comunicação britânicos fizeram eco. A empresa de Cupertino já tinha expressado suas reservas ao projeto de lei antes de enviar formalmente suas queixas ao Parlamento. Tim Cook, presidente executivo da Apple, alertou recentemente em uma entrevista ao Daily Telegraph quanto às “terríveis consequências” que a lei poderia ter.

Outras multinacionais de tecnologia também enviaram suas reclamações ao Comitê Parlamentar. A ofensiva dos gigantes do Vale do Silício representa uma tentativa de salvaguardar a confiança de seus usuários, maculada depois das revelações de Edward Snowden, ex-funcionário da agência norte-americana NSA, que afirmaram que os serviços de inteligência norte-americanos e britânicos conseguiam ter acesso a informações internas dessas empresas.

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