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A vida depois do WhatsApp

A suspensão do aplicativo muda rotina e provoca downloads massivos dos concorrentes

María Martín
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Um incomum silêncio domina o interior do táxi de Marcelo Russel, de 38 anos. Ninguém lhe avisou hoje dos pontos bloqueados pelo trânsito, dos acidentes nas vias de acesso à cidade, dos assaltos ou de onde está bom para pegar clientes. Os quatro grupos de WhatsApp pelos quais se comunica diariamente com uma centena de taxistas do Rio estão mudos desde a zero hora de hoje, quando uma decisão judicial obrigou as operadoras de telefonia a suspender o serviço de mensagens em todo o país. “Estou até curtindo o silêncio, mas o aplicativo é fundamental para a gente”.

A queda do WhatsApp nos celulares de cerca de 100 milhões de brasileiros está sendo mais comentada que qualquer um dos capítulos da intrincada crise política brasileira. Wanderley dos Santos reclama na porta do colégio onde trabalha porque é com o aplicativo que se comunica com seus três filhos que moram longe; o motorista dos Correios diz que perde bicos se fica indisponível; os policiais, que foram proibidos em outubro de usar smartphones durante o trabalho para evitar precisamente que se distraíssem com o aplicativo, o querem de volta. “Tenho colegas que estão passando mal”, brinca um policial que faz patrulha de bicicleta. “No final do dia, eu recebo informes dos colegas sobre tudo o que aconteceu. Mesmo proibida, é uma ferramenta de trabalho para a gente”, diz sem se identificar.

A uma centena de metros dali, em uma banca de jornal do bairro do Flamengo, na Zona Sul do Rio, Antônio Carlos Alcântara está lendo até os cartazes publicitários pendurados no seu quiosque, aos que nunca prestou atenção. “O dia está um tédio”, reclama. Acostumado a passar as oito horas de trabalho com o celular na mão, o jovem leu hoje até as reportagens dos jornais. “Eu só me interesso pelos esportes, mas hoje não sei mais o que fazer”. Em uma locadora de imóveis do mesmo bairro, a gerente Rossi Peça, de 45 anos, ainda não sabia como iria coordenar a equipe. “A gente organiza visitas, marca horários, avisa dos atrasos pelo WhatsApp. Só agora vamos perceber quanto faz falta”, explica. “Eu não entendo disso, mas a mais ligada do escritório já está vendo outro aplicativo para a gente baixar e poder trabalhar”.

Não é a única. O Telegram, uma das alternativas ao WhatsApp com mais de 60 milhões de usuários, está esfregando as mãos desde ontem. Apenas 23 minutos depois da queda do concorrente, a empresa comunicava na sua conta no Twitter que mais de 1,5 milhão de brasileiros já haviam descarregado seu aplicativo. O convite para integrar um novo espaço de conversa virtual é o primeiro que a manicure Dayanne dos Reis, “desbaratinada” ao perceber que o WhatsApp não funcionava, enviou hoje a todos seus contatos. “As clientes marcam comigo por mensagem. Nem todo mundo tem crédito para ligar, sai muito caro”, explica.

“O fato das pessoas migrarem para outros aplicativos não resolve o problema. A questão aqui é a vulnerabilidade da Internet brasileira. A medida foi desproporcional e completamente ilegal. Ela fere o Marco Civil da Internet e até a Convenção Americana de Direitos Humanos, que contempla a censura, a liberdade de expressão e a difusão de informação também através de aparelhos eletrônicos”, explica Ronaldo Lemos, especialista em Direito digital. “É preocupante ver a facilidade para derrubar um serviço digital de um dia para outro. As operadoras que bloquearam o aplicativo são empresas europeias, gostaria de saber se acatariam essa decisão judicial na Europa”, questiona Lemos.

A pesar da histeria coletiva, interpretada com humor pelas próprias vítimas, e os precedentes legais da decisão judicial, não são poucos os que celebram “a volta à normalidade". “A gente é do tempo em que quando você quer falar com alguém, pega o telefone e liga”, afirma o casal Mário e Patrícia Brandão, na casa dos 50. “O WhatsApp bobeou. Por que o sigilo de dados dele não vai poder ser quebrado? Atuaram como se no Brasil não houvesse lei, mas foram escolher o momento errado, quando a Justiça está mais forte”, diz Mário. Outro taxista, João Martins, de 53 anos, é o único da sua família e dos seus amigos que nunca usou o aplicativo, comprado por Facebook um ano atrás por cerca de 22 bilhões de dólares. “Quem quer falar comigo me liga. Não tem dinheiro? Que ligue a cobrar!”. Ele critica que o celular haja fulminado as conversas reais. “Se eu estivesse escrevendo um livro, já teria parado há tempos. Passageiro parou de contar histórias! Entram no táxi e antes de te dizer o endereço já estão digitando, o que que é isso?”.

A vida sem WhatsApp, no entanto, acabou logo. Às 12h50 o sistema de mensagem voltou por ordem de um desembargador de São Paulo.

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