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Coluna
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A quem interessa o impeachment

Apesar da constatação da incompetência generalizada de Dilma, o processo de impeachment demonstra mais um comportamento de vingança

Dilma Rousseff e Michel Temer, no Palácio do Planalto, em imagem de outubro deste ano.
Dilma Rousseff e Michel Temer, no Palácio do Planalto, em imagem de outubro deste ano. Eraldo Peres (AP Photo)

Que a presidente Dilma Rousseff é incapaz do ponto de vista administrativo e inábil politicamente parece não restar dúvida alguma. Vamos encerrar este já extensíssimo 2015 com inflação acima de 10% e desemprego em torno de 9,5% da população ativa, caminhando, portanto, a passos largos rumo à recessão. Além disso, o Governo encerra o primeiro ano do segundo mandato paralisado, refém de um Congresso liderado por dois políticos investigados pelo Supremo Tribunal Federal, os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, ambos filiados ao PMDB, mesma agremiação à qual pertence o vice-presidente Michel Temer.

Apesar da constatação da incompetência generalizada de Dilma, o processo de impeachment desencadeado por Cunha, com irrestrito apoio do PSDB, principal partido da oposição, demonstra muito mais um comportamento de vingança e ressentimento que uma reação política baseada na sensatez e na civilidade. Tanto que os inflamados discursos pronunciados em Brasília não reverberam junto aos eleitores. O fracasso das manifestações a favor do impedimento da presidente, que reuniram reduzido público em algumas poucas cidades do Brasil, ilustra o abismo existente entre as demandas objetivas da sociedade e os interesses particulares da classe política.

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Se Dilma, segundo o Ibope, possui o indesejável título de mais impopular presidente da República da era democrática – 70% rejeitam sua gestão –, a imagem do Congresso não é melhor: o Datafolha mostra que 53% dos entrevistados consideram o desempenho de deputados federais e senadores ruim ou péssimo. A percepção de que os congressistas utilizam seus mandatos para satisfazer necessidades individuais esvazia o conteúdo moral de qualquer ação prática do Legislativo, mesmo aquela que conta com ampla simpatia da população – 66% dos entrevistados apoiam a abertura de processo de impeachment contra Dilma, segundo este mesmo instituto de pesquisa. A questão é que, enquanto o cidadão comum reclama estabilidade para projetar a vida a longo prazo, os políticos se canibalizam buscando preservar regalias conquistadas quase sempre de forma obscura.

No curso da história recente do Brasil, o PMDB, devido ao peso de seu gigantismo, tem se perpetuado como um eficiente balcão de negócios. Por exemplo, somente nas aparências Renan Calheiros e Eduardo Cunha vêm assumindo posições antagônicas com relação à possibilidade de abertura de um processo de impeachment contra Dilma. Na realidade, ambos ocupam-se com a manutenção de seus próprios mandatos. Calheiros, ministro da Justiça no governo Fernando Henrique, que em 2007 renunciou ao cargo de senador para evitar a suspensão de seus direitos políticos, de novo acha-se envolvido em denúncias de corrupção, desta vez dentro do bojo das investigações da Operação Lava Jato. O presidente do Senado adquire ações no mercado futuro: apoia Dilma hoje para contar com votos do PT que podem lhe salvar a pele amanhã.

Enquanto o cidadão comum reclama estabilidade para projetar a vida a longo prazo, os políticos se canibalizam para preservar regalias

Eduardo Cunha, também envolvido em denúncias de corrupção na Operação Lava Jato, vinha conseguindo, por meio de uma aviltante série de manobras regimentais, adiar a abertura de um processo de impeachment contra si mesmo na função de presidente da Câmara. Enquanto vislumbrou a esperança de contar com a boa vontade petista para sustentá-lo no cargo, impediu que prosperasse a demanda contra Dilma. Mas assim que tornou-se insustentável a cínica posição do Governo, de imediato deu andamento ao processo – agindo assim, fortalece sua posição para negociar um posterior arranjo que lhe seja favorável.

Mas é a figura mais importante do partido que sintetiza a essência do PMDB. O vice-presidente da República, Michel Temer, desde o início da crise institucional que imobiliza o Governo tenta descolar sua imagem da de Dilma. Em princípio, ao mesmo tempo em que publicamente aproveitava-se da fragilidade da situação para alargar a participação do partido no corpo ministerial, nos bastidores atuava para fomentar a insatisfação com relação à presidente. De maneira oportunista, assim que Cunha anunciou o início do processo de impeachment na Câmara, Temer enviou uma patética carta a Dilma, vazada para a imprensa, em que discutia a relação entre ambos, ao mesmo tempo em que iniciou conversas com a oposição para compor um novo governo chefiado por ele.

Se não surpreende a prática do PMDB, que opera como sempre, de maneira interesseira e mesquinha, é para o execrável procedimento do PSDB que se voltam nossos olhares. Não poderíamos esperar atitudes magnânimas de homens públicos como Renan Calheiros ou Eduardo Cunha, cuja trajetória é sinuosa, nem mesmo de Michel Temer, que, político inexpressivo, antevê a possibilidade de obter sem esforço um cargo que não alcançaria caso o disputasse em uma eleição direta. Mas assombra sim a conduta de pessoas como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, fomentando o ressentimento de seus pares – inconformados com a perda das últimas eleições – vem apagando seus rastros na história com a pequenez de seus gestos. É isso que a população refuta ao não engrossar as manifestações de rua: a classe política não tem grandeza de pensar no Brasil.

Luiz Ruffato é escritor e jornalista.

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