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Macri começa a governar com uma grande redução de impostos rurais

Medidas mais duras ficam para um segundo momento, enquanto o Governo busca dólares

Carlos E. Cué
Plantações de trigo no município bonaerense de Suipacha.
Plantações de trigo no município bonaerense de Suipacha.Ricardo Ceppi

Mauricio Macri quer iniciar o seu mandato com o pé direito. O Governo da Argentina está consciente de que precisará tomar medidas duras e enfrentará protestos, mas decidiu começar pelas boas notícias. O primeiro grande anúncio do presidente foi uma enorme redução de impostos para o setor rural, base da economia argentina, em guerra com o casal Kirchner desde 2007. Macri eliminará a retenção das exportações de trigo, milho e carne, que atualmente é de 20%, e reduzirá a da soja –hoje responsável por 90% da arrecadação– de 35% para 30%. Na prática, essas retenções de exportações funcionam como um imposto.

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O presidente argentino quis anunciar sua primeira medida de forma simbólica em Pergamino, uma localidade 220 quilômetros ao norte de Buenos Aires, já dentro do coração da produção agrícola de um dos países mais férteis do planeta. Lá ele confirmou que serão eliminados completamente os impostos sobre as exportações de todos os produtos agrícolas, exceto a soja, a joia da coroa. Isso significa uma forte perda de arrecadação para o Estado, justamente num momento de crise, quando os cofres públicos tanto precisam de dinheiro –ainda mais porque Macri prometeu também não reduzir as ajudas sociais. Segundo o ministro da Agricultura, Ricardo Buryaile, a queda na arrecadação poderá ser compensada pela cobrança do imposto de renda dos agricultores, e também porque, segundo estimativas, os produtores rurais poderão duplicar sua produção ao serem menos taxados. Mas o fato é que por enquanto a medida acarreta uma importante perda de arrecadação. “Vocês precisam pagar com alegria mais impostos sobre os lucros”, disse Macri aos produtores ao anunciar a redução dos impostos sobre exportações. “Hoje, assim que aterrissar, vou assinar o decreto pelo qual a Argentina passa a ter retenção [alíquota de exportação] zero para as exportações regionais”, afirmou.

Macri e sua equipe econômica navegam em meio a uma tempestade quase perfeita, com um ambiente internacional nada favorável à Argentina e um déficit público de 7% do PIB. O presidente havia prometido que a primeira medida seria a mais polêmica: liberar a taxa de câmbio, que o Governo de Cristina Kirchner controlou a tal ponto que a taxa oficial do dólar chegou a ser de metade do valor negociado nas ruas de Buenos Aires. Macri disse que isso acabaria em 11 de dezembro, dia seguinte à sua posse. Até o dia 14, nada. Eliminar o chamado cepo cambial acarretaria um grande risco: a disparada de uma inflação que nas últimas semanas já está sem freios. Os preços na Argentina sobem descontroladamente, e Macri precisa oferecer boas notícias aos argentinos o quanto antes.

Os preços argentinos crescem descontroladamente, e Macri precisa oferecer boas notícias aos argentinos o quanto antes

Nesse contexto, a decisão sobre o câmbio é adiada para quando o Governo conseguir formar um colchão de 20 bilhões de dólares que tape o rombo de reservas no banco central, resultado, segundo o novo Executivo, das políticas do kirchnerismo. O ministro da Economia, Alfonso Prat Gay, trabalha nos últimos dias com sua equipe para negociar um pacto multilateral que resulte nesse colchão de 20 bilhões. Macri chega à Casa Rosada contando com um forte apoio nos mercados e nos EUA, satisfeitos com uma guinada na política econômica argentina que rompe todos os equilíbrios regionais, mas não é fácil. Prat Gay e sua equipe negociam com bancos internacionais, com o Governo dos EUA e com as grandes empresas da soja para buscar dólares. E nisso também é importante essa mensagem macrista de reconciliação com o campo, historicamente uma referência política na Argentina, o único setor capaz de fazer tremer o Governo dos Kirchner, em 2007, quando foram elevadas as alíquotas sobre exportações que Macri agora elimina. “Não se deve mais apresentar as coisas em termos de campo ou indústria, campo ou país; é o campo e a indústria, o campo e o país, porque sem o campo o país não avança”, afirmou o novo presidente. A luta entre os interesses dos agricultores e grandes latifundiários, por um lado, e da indústria e dos operários, por outro, marcou a história deste país.

Os grandes e pequenos produtores de soja, o verdadeiro ouro verde argentino, que foi chave para o fim da crise de 2001, têm até 13 bilhões de dólares (50,7 bilhões de reais) retidos nas chamadas silobolsas, segundo os dados oficiais. Estão à espera da nova taxa de câmbio e dos movimentos do Governo. Mas não basta. “A soja ajudará, há seis ou sete bilhões [de dólares] guardados que serão vendidos nos próximos meses, mas isso não vai salvar o Governo, será preciso conseguir dinheiro. Se contarem só com o da soja, estamos fritos”, observou ao EL PAÍS o empresário Gustavo Grobocopatel, considerado o rei da soja na Argentina. Macri e sua equipe procuram dinheiro, se preparam para anunciar más notícias e miram na batalha mais difícil, a negociação das chamadas paritárias, os aumentos salariais coletivos do ano que vem. Quase todos os analistas prognosticam primeiros seis meses muito difíceis para Macri, mas por enquanto ele quis começar pelas notícias amáveis.

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