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O retrato de uma das cidades onde a ultradireita já governa na França

A França vota neste domingo a composição de seus novos Governos regionais Todas as pesquisas indicam que a ultradireitista Frente Nacional conseguirá pela primeira vez parcelas importantes de poder no país

Álex Vicente
Marine Le Pen em um colégio eleitoral neste domingo.
Marine Le Pen em um colégio eleitoral neste domingo.M. Spingler (AP)

Convertido numa estátua que domina a praça principal, Alexandre Dumas dá as boas-vindas aos que visitam sua cidade natal. Este rincão rural da Picardia francesa também era apreciado pelo rei Francisco I, que costumava caçar no majestoso bosque que cerca esta cidade de 11.000 habitantes, situada 75 quilômetros a nordeste de Paris. Desde 2014, Villers-Cotterêts é uma das 12 cidades francesas governadas pela Frente Nacional (FN). Ganhou a prefeitura, apesar de todos os prognósticos contrários. “É uma cidade atípica para nós. Aqui não há somente classes populares, há também executivos e categorias sociais que não costumam favorecer a Frente Nacional”, reconhece o prefeito, Franck Briffaut, em seu elegante escritório com vista para o jardim interno.

Pelas ruas, a população mais abastada cruza com comerciantes pequeno-burgueses e com operários da fábrica Volkswagen, cuja sede francesa é nesta cidade rodeada de plantações de beterraba e cemitérios militares, recordação indelével das duas Guerras Mundiais. Desde a vitória, a Frente Nacional tornou este canto da França rural um laboratório para testar o alcance cada vez maior de suas ideias. Em boa parte, graças a uma economia em franca desaceleração. A cabeça de chapa na região, anexada à ainda mais empobrecida Norte-Pas-de-Calais, é ninguém menos que Marine Le Pen, que disse que o lugar “concentra todos os problemas que debilitam o país, como o desemprego, a pobreza e a imigração em massa”.

Apesar de tudo, em Villers-Cotterêts a situação não parece catastrófica. O desemprego se situa na média nacional (10%), e o nível de vida é ligeiramente inferior à média francesa. Mas muitos temem que essas condições não durem muito. A nostalgia por um passado melhor está presente em todas as conversas. “Quando era pequeno, era uma cidade viva e alegre, cheia de lojas. Agora não sobrou quase nada. No fundo, gostaríamos de voltar a viver na cidade da nossa infância”, reconhece Jean, aposentado da indústria automobilística. Perto dele, uma população envelhecida fazia na sexta-feira suas compras nas poucas lojas abertas, ou saía cabisbaixa depois de jogar na loto e perder.

“Fico surpresa que velhos tão simpáticos votem em Le Pen”, diz uma muçulmana

A França vota neste domingo, em pleno estado de exceção devido à ameaça terrorista, a composição de seus novos Governos regionais. Todas as pesquisas indicam que a ultradireitista Frente Nacional conseguirá pela primeira vez parcelas importantes de poder no país.

Segundo as pesquisas mais recentes, Le Pen deve obter 40% dos votos no primeiro turno. Em Villers-Cotterêts, ninguém duvida que vá vencer. “Sua vitória parece, infelizmente, inevitável”, confirma o ex-prefeito socialista Jean-Claude Pruski, sentado num bistrô na hora do almoço. “Este é um lugar tranquilo, agradável e sem violência, com um cinema, uma biblioteca e boa infraestrutura. Não faz sentido que a extrema-direita esteja no poder”, diz este filho de imigrantes poloneses, que lamenta observar una xenofobia que se agrava depois dos atentados em Paris de 13 de novembro. “Uma vizinha me disse agora há pouco que está se tornando racista, o que nunca tinha sido. As pessoas têm medo que venham degolá-las, o que não faz sentido. A Frente Nacional joga com esse medo irracional cada vez que chegam as eleições.”

“Uma vizinha me disse que está se tornando racista”, comenta ex-prefeito socialista

Em trinta anos, 2.000 novos habitantes se instalaram em Villers-Cotterêts. Nos últimos cinco anos, muitos chegaram da região vizinha de Sena-Saint Denis, que concentra muitos dos turbulentos subúrbios da periferia parisiense. Que podiam se dar ao luxo de comprar casas na cidade ou em seus arredores, seduzidos por preços mais baixos e um contexto mais bucólico. “Muitos são franceses de origem magrebina, antilhana ou subsaariana, em um lugar em que há 20 anos ninguém sabia o que era um negro. Quando os vizinhos descobrem que esses recém-chegados podem comprar uma casa, enquanto eles não podem, começa a inveja”, opina Pruski.

Para o prefeito Briffaut, a explicação é diferente. “É normal que não queiramos que os problemas da balieue se reproduzam aqui. Não queremos ser um desses lugares onde não é possível sair à noite, onde a polícia não se atreve a entrar e onde a população está dividida. Temos de rejeitar acolher toda a miséria do mundo e frear a imigração. Quem vier à França tem de respeitar nossas leis e costumes”, acrescenta.

A contradição é que a maioria dos novos habitantes é totalmente francesa. “Alguns são apenas porque têm os documentos. Entre aqueles que colocam bombas também há franceses, mas logo cospem ou queimam nossa bandeira. Para mim, ser francês não passa apenas por ter o documento de identidade, mas também por amar a bandeira, respeitá-la e lutar por ela”, rebate o prefeito, ex-paraquedista militar e funcionário do Ministério da Defesa por 35 anos, para quem um político deve ser algo entre “um médico e um vigia”, alguém capaz de curar, mas também de prever o futuro.

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Entre os votantes contrários à Frente Nacional também reina certa desconfiança. “As mulheres de minha geração lutaram pelo direito de abrir uma conta corrente sem a autorização dos maridos, pelo direito de abortar ou de nos vestir como desse vontade. Quando agora vejo uma mulher com o véu pela rua, não vou insultá-la, mas me parece uma provocação. Representa um passo para trás”, afirma Margot, uma garçonete septuagenária.

O bairro que concentra a população magrebina está do outro lado do caminho de Vivière, ao redor de uma pequena mesquita situada “na antiga casa do professor”, segundo uma vizinha. Vários blocos construídos nos anos setenta se impõem neste lugar tranquilo e cheio de áreas verdes, mas sem lojas ou serviços. Por ali caminha Nisrine, uma jovem que nasceu em Villers-Cotterêts e usa o véu islâmico. “Quando a Frente Nacional ganhou tivemos medo, mas no fim não mudou nada. Às vezes há olhares desconfiados, mas não agressões”, relata. “Aqui vivem muitos idosos e, em geral, são amáveis conosco. O que não deixa de me surpreender é que esses senhores tão simpáticos votem na Frente Nacional.”

Um pouco adiante surge um bairro mais confortável, formado por casas coladas ao bosque, nas quais abundam os enfeites natalinos. Parecem imitar os subúrbios residenciais norte-americanos, assim como Mathilde e Ludmila, de 17 e 18 anos, aspiram a copiar o estilo de vestir parisiense. “Quando terminarmos o Ensino Médio vamos embora daqui. Nesta cidade não há nada”, jura a primeira. A segunda votará hoje pela primeira vez, mas ainda não sabe em quem. Não descarta que o voto seja pela candidata ultradireitista. “Não vou descartar só porque tem o sobrenome Le Pen. Vou votar em quem tiver as melhores ideias”, conclui.

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