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A obesidade que herdamos de papai

Os espermatozoides carregam informações sobre os quilos em excesso de seu dono

Javier Sampedro
Um pai e um filho com sobrepeso.
Um pai e um filho com sobrepeso.CORBIS

Os hábitos de um homem podem ser transmitidos aos genes de seu filho? A teoria genética clássica diz que não. Mas os dados dizem que sim, ainda que com ressalvas importantes. Os espermatozoides carregam informação em seu genoma que delata os excessos alimentares do pai e podem ser transmitidos a seus filhos (e filhas). Os genes que controlam a regulação do apetite se adaptam aos hábitos alimentares do papai e transmitem esses hábitos ao filho. É um caso claro de herança lamarckiana, ou epigenética, um termo ao qual convém que comecemos a nos habituar.

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Romai Barrès e seus colegas da Universidade de Copenhague, do Instituto Karolinksa de Estocolmo e de outros centros dinamarqueses e suecos demonstraram que os espermatozoides dos homens gordos e magros aparecem com os genes marcados de formas muito diferentes. O efeito se concentra sobretudo nos genes que controlam o desenvolvimento e a função do cérebro, incluídas as geografias genômicas envolvidas diretamente no controle central do apetite. Eles apresentaram sua pesquisa na revista Cell Metabolism.

Os pesquisadores demonstraram que os espermatozoides dos homens gordos e magros aparecem com os genes marcados de formas muito diferentes

Outro dado importante é que essas marcas epigenéticas, que afetam crucialmente a regulação dos genes, não são permanentes no homem obeso, mas respondem ao entorno, ou seja, à ingestão de alimentos. Barrès e sua equipe comprovaram isso em obesos que perderam peso depois de uma cirurgia bariátrica. A implicação é fascinante, ainda que não esteja comprovada ainda: os filhos gerados antes e depois da cirurgia deveriam nascer com tendências à gordura muito diferentes. Como também ocorreria com os filhos que alguém tenha antes ou depois de engordar. São só predições. Mas dão o que pensar.

O estudo se baseia em uma análise do perfil epigenômico (que genes estão marcados para ficar ativos ou reprimidos na prole) dos espermatozoides de 13 homens magros e 10 obesos. E também nos de seis homens obesos, com amostras tiradas antes e (um ano) depois da cirurgia de estômago. Os pesquisadores se concentraram no tema do sobrepeso por conveniência técnica, mas tudo indica que esta herança dos hábitos adquiridos, como diria Lamarck se estivesse vivo, afeta muitos outros genes relacionados com o desenvolvimento e a função do cérebro. Isso dá ainda mais o que pensar.

O gráfico mostra como o espermatozoide de um homem obeso tem marcas 'epigenéticas' diferentes da de um magro, depois de se submeter a uma cirurgia de estômago, especialmente nos genes que controlam o desenvolvimento e a função do cérebro.
O gráfico mostra como o espermatozoide de um homem obeso tem marcas 'epigenéticas' diferentes da de um magro, depois de se submeter a uma cirurgia de estômago, especialmente nos genes que controlam o desenvolvimento e a função do cérebro.Donkin andVersteyhe et al./Cell Metabolism 2015

“Nossa pesquisa poderia levar a mudar o comportamento do pai, em particular antes da concepção”, opina Barrès. “Todo mundo sabe que uma mulher grávida tem de se cuidar —não tomar álcool, evitar a contaminação e tudo o mais— mas, se a implicação de nosso estudo estiver correta, as recomendações também deveriam ser dirigidas aos homens.” E não durante a gravidez, devemos acrescentar, mas no ano anterior, o que atualmente mais parece ficção científica.

As causas dos fenômenos biológicos devem ser buscadas na evolução. Barrès tem muita consciência disso e já tem uma hipótese. Acredita que faz sentido em termos evolutivos que, em tempos de abundância, os filhos nasçam com uma tendência inata, ou instintiva, a comer mais e ficar maiores. “Que a obesidade seja uma desvantagem é um fenômeno recente”, diz o cientista de Copenhagem. “Até apenas há algumas décadas, a capacidade de armazenar energia era uma vantagem na hora de resistir a infecções e à fome”. Nossos genes não se adaptaram ainda ao McDonald’s, por assim dizer.

As marcas nos genes não são permanentes no homem obeso, mas respondem ao entorno, ou seja, à ingestão de alimentos

A inspiração para o estudo é um fato histórico. No final de 1944 —e da Segunda Guerra Mundial— a Holanda sofreu o Hongerwinter, o inverno da fome, que causou 20.000 mortos e afetou quatro milhões de pessoas. Os filhos e netos das mulheres que estavam grávidas naquele inverno continuam hoje afetados por transtornos alimentares, diabetes e doença coronária. Vários laboratórios se interessaram por esse fenômeno epigenético durante o último decênio.

E acabemos pelo glossário. As mudanças epigenéticas (acima dos genes, literalmente) não estão escritas na sequência de DNA (Gatacca...), mas em outros aspectos que se sobrepõem de forma muito estável, capazes de sobreviver aos muitos ciclos de divisão celular. O mais importante é a adição a uma das letras de DNA (normalmente o C) do grupo mais simples da química orgânica (metilo, –CH3), mas o sistema é complexo, e de importância crescente para os estudiosos da regulação dos genes.

Um pedacinho de bacon? Não, se quiser em ser pai em 2016. Melhor pensar antes.

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