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Cameron: “A intervenção é legal, necessária, e é o que se deve fazer”

Parlamento britânico aprova bombardeio contra o Estado Islâmico na Síria Bombardeios começaram nesta quinta-feira

P. G.

Os deputados britânicos autorizaram, nesta quarta-feira, o Governo de David Cameron a ampliar os bombardeios contra o Estado Islâmico (EI) do Iraque para a Síria, em uma dessas jornadas que solidificam a reputação de Westminster como o parlamento mais legendário do mundo. Depois de 10 horas de debates apaixonados, a moção do primeiro-ministro conservador recebeu 397 votos a favor e 223 contrários. A sessão reflete a divisão existente na sociedade britânica, como em todo o Ocidente, a respeito de como combater o terror global imposto pelo autodenominado Estado Islâmico. A Câmara dos Comuns decidiu que, como havia dito Cameron, “não é hora de ficar sentado e esperar”. Os aviões britânicos estão a postos para lançar bombas na Síria em questão de horas.

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Uma rebelião tory (conservadores) mais limitada do que Cameron temia há alguns dias e o apoio de meia centena de deputados trabalhistas, além de outros partidos minoritários, outorgaram a Cameron o apoio que há apenas três semanas, antes dos ataques de Paris, ele próprio havia desistido de obter. O Reino Unido, disse Cameron ao abrir o debate pela manhã, “deve assumir a responsabilidade pela sua própria defesas” e “não depender de outras nações”. “A intervenção é legal, necessária, e é o que se deve fazer para que este seja um país mais seguro”, argumentou.

O líder da oposição, Jeremy Corbyn, destacou que sua rejeição à intervenção na Síria “é bom senso, não pacifismo”. Mas seu chamamento no sentido de se “dar um passo atrás e votar contra outra fracassada virada na guerra infindável contra o terror” não convenceu os seus deputados rebeldes. Tampouco o fizeram as supostas pressões por parte de colegas que estes denunciaram ao longo do dia. Os danos causados ao líder, ao final, foram minimizados pelo fato de que uma maioria de deputados trabalhistas votaram a seu favor.

Mas esta quarta-feira foi o dia do primeiro-ministro, não do líder oposicionista. Os argumentos de Cameron, minuciosamente construídos nos dias anteriores, acabaram por ser encobertos por sua reiterada negativa de pedir desculpas por sua exaltação da véspera, quando chamou os que se opunham aos bombardeios de “simpatizantes dos terroristas”. E o líder da oposição, que na segunda-feira abrira mão de impor a disciplina do voto diante do risco de uma rebelião, evitou responder à pergunta várias vezes feita se interromperia os bombardeios britânicos no Iraque iniciados no ano passado. A divisão no seu partido se evidenciou na expressão dos deputados que se sentavam à sua esquerda e à sua direita, o vice-presidente de seu partido Tom Watson e o porta-voz das Relações Exteriores Hilary Benn, ambos defensores dos bombardeios.

Foto: reuters_live | Vídeo: Reuters Live / AP

As palavras de Benn, que foi o penúltimo a intervir, passaram para a história como um dos grandes discursos já ouvidos na Câmara, como reconheceu literalmente o ministro Hammond, titular do Foreign Office (Ministério das Relações Exteriores), que encerrou o debate depois de uma réplica da oposição. Os dois, nessa ocasião, votavam no mesmo sentido. Benn apelou para o internacionalismo do partido trabalhista e defendeu que se deve enfrentar o fascismo do EI, assim como foram enfrentados os de Franco, Hitler e Mussolini. Elogiou Corbyn, o líder que ele desafiava com seu voto, definindo-o como “um homem bom e honesto e não um simpatizante dos terroristas”. Antes de receber uma insólita ovação, Benn rechaçou, com base em argumentos referentes à campanha em curso no Iraque, a ideia de que os bombardeios não servem para nada.

Discursos muito profundos e apaixonados foram ouvidos da parte dos 104 deputados de diferentes partidos, das primeiras às últimas fileiras, que intervieram ontem. Algo que expressa o alto grau de compromisso e responsabilidade com que os britânicos, ainda confusos com a guerra do Iraque, encaram agora esta ampliação das hostilidades para a Síria.

Todos, na Câmara, compartilhavam o compromisso de se livrar do EI, como disse a deputada ambientalista Caroline Lucas. O que se discutiu foi se ampliar os bombardeios do Iraque para a Síria é a melhor maneira de conseguir isso. Os partidários da ideia conclamaram à solidariedade com os parceiros e defenderam a necessidade de que o Reino Unido recupere o seu lugar no mundo. “Como estaríamos nos sentindo se os ataques tivessem sido em Londres e a França se recusasse a nos ajudar?”, resumiu a trabalhista Margaret Beckett, desafiando a posição oficial de seu partido. Os que se opunham à intervenção levantaram a suposta inconsistência da estratégia de ação para depois dos bombardeios.

Parte importante do debate foi ocupada pela afirmação polêmica de Cameron de que existem 70.000 sírios preparados para a ofensiva terrestre posterior aos bombardeios, da qual o Reino Unido não participará. “Não digo que esses 70.000 sejam os aliados ideais: há de tudo”, admitiu Cameron. Mas reiterou que essas tropas estão preparadas, segundo informação que lhe fora transmitida pelos serviços de inteligência, e serão ainda mais numerosas à medida que se vá encurralando o EI.

A opinião pública britânica parece ter conhecido uma reviravolta nos últimos dias. Segundo uma pesquisa publicada nesta quarta-feira pelo jornal The Times, menos da metade das pessoas ouvidas apoiam, agora, os bombardeios na Síria. O apoio à intervenção caiu de 59% para 48% desde que Cameron levou o caso ao Parlamento na quinta-feira passada. Os que se opõem aos bombardeios na Síria por parte do Reino Unido passaram de 20% para 31%; há 21% de indecisos.

“Não se trata de uma guerra que nós escolhemos”, afirmou o ministro Hammond na intervenção que encerrou o debate. “O EI é que escolheu por nós”. Uma hora mais tarde, os manifestantes antibelicistas, reunidos com seus cartazes nas proximidades do Parlamento, faziam lembrar aos deputados que deixavam a Câmara o quanto é delicada a decisão que estes tinham acabado de tomar.

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