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Termos de privacidade do Facebook: você concordou mesmo com isso?

Estudo da Universidade Harvard examina a evolução da política de privacidade desta rede social e conclui que piorou em dez anos

Karelia Vázquez
O cofundador do Facebook, Mark Zuckerberg.
O cofundador do Facebook, Mark Zuckerberg.EFE/Archivo (EFE)

De tempos em tempos os usuários do Facebook adotam precauções – ou assim acreditam – desautorizando a rede social a usar seus dados com determinadas finalidades. Esses catataus repletos de terminologia jurídica são compartilhados, por meio do copiar e colar, de perfil em perfil, e em geral são fruto de boatos que ninguém sabe muito bem de onde vêm, mas que não costumam ter consequências. Ou seja, os usuários publicam esse material, mas não se excluem do Facebook e quase nunca se dedicam a examinar aqueles Termos e Condições aceitos sem pensar muito, lá pelo ano de 2007, nos dias da inocência, quando estreávamos nessa coisa de compartilhar informações sem pedir nada em troca.

Em uma década, o Facebook acumulou vasta informação sobre seus usuários sem que a maioria deles possa explicar exatamente para quê seus dados são usados ou possa calcular superficialmente quanto dinheiro geram para a companhia. Pela primeira vez, um estudo assinado por dois estudantes da Universidade Harvard e publicado na revista Technology Science, dessa universidade, examinou a evolução da política de privacidade da rede social e concluiu que, em dez anos, a situação nessa questão piorou. O nome do estudo não poderia ser mais claro: Did you really agree to that? The Evolution of Faceboook’s Privacy Policy (Você de fato concordou com aquilo? A Evolução da Política de Privacidade do Facebook).

O estudo conclui que, em 2015, o Facebook é reprovado em 22 dos 33 critérios

Suas autoras, Jennifer Shore e Jill Steinman, leram realmente as mudanças dos Termos e Condições de Privacidade do Facebook de 2005 a 2015. Para avaliar se melhoraram ou pioraram nessa década, usaram como referência o documento dos Direitos de Privacidade do usuário, redigido em 2008, que estabelece várias medidas que as empresas precisam aplicar para fazer uso da informação pessoal dos usuários sem afetar sua privacidade.

Essas medidas –totalizam 33– incluem informar-lhes sobre quando seus dados serão compartilhados ou vendidos a outras empresas, identificar claramente que informação será usada com fins comerciais e dar opções para ajustar a privacidade de seus perfis.

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O estudo conclui que, em 2015, o Facebook, em uma escala de 0 a 5 pontos, é reprovado em 22 dos 33 critérios estabelecidos pelos Direitos de Privacidade do usuário. “Nossos achados sugerem que a política de privacidade do Facebook piorou em transparência e responsabilidade à medida que o tempo foi passando, incluindo a parte relacionada à informação pessoal que a empresa compartilha com terceiros”, diz o estudo. A empresa não quis fazer comentários a este jornal sobre as conclusões do trabalho.

Por exemplo: em uma década, o critério de que a empresa deveria descrever exatamente o uso que fazia da tecnologia de rastreamento na Internet (cookies, weblogs ou sinais de alerta) caiu de 4 pontos (2005) para 0. Também caíram a zero a informação sobre em que circunstâncias a rede social revelaria dados de seus usuários, a identificação de quais seriam empregados para transformar o usuário em alvo de determinada publicidade ou a descrição das opções para mudar, segmentar ou apagar informação. “As quedas desses critérios sugerem que os Termos e Condições de Privacidade do Facebook são cada vez menos informativos, apesar de a quantidade de palavras ser cada vez maior”, dizem as autoras. De acordo com o estudo, se em 2005 tais condições totalizavam 1.000 palavras, em 2015 são utilizadas 12.000. Logo, é bem menos provável que o usuário leia semelhante volume em uma tela.

Se em 2005 as condições totalizavam 1.000 palavras, em 2015 são utilizadas 12.000

Estas são algumas das conclusões do estudo, que pode ser consultado em sua integralidade aqui (link em inglês).

A partir de novembro de 2008 houve uma notável melhoria na transparência e na acessibilidade das Condições de Privacidade do Facebook

A partir de novembro de 2008 houve uma notável melhoria na transparência e na acessibilidade das Condições de Privacidade do Facebook que coincidiram, segundo as autoras do estudo, com as pressões exercidas por grupos como o American Civil Liberties Union e Electronic Frontier Foundation, assim como vários meios de comunicação. “As melhoras não duraram muito tempo, como demonstra a queda sustentada de todos os critérios de privacidade medidos na rede social”, assinalam. O estudo afirma que outras pressões externas, como as exercidas pela Federal Trade Comission e outros grupos de defesa das liberdades civis não se traduziram em uma melhora no uso da informação dos usuários.

Alunos de Harvard ficam atravessados na garganta de Zuckerberg

Zuckerberg foi um aluno brilhante de Harvard. A mitologia e a história do Facebook foram forjadas em um de seus alojamentos. A revista Technology and Science, publicada por essa universidade, divulga as pesquisas de seus alunos que descobriram fragilidades na rede social ou se encarregaram de desmentir o próprio Zuckerberg. A história mais conhecida aconteceu em agosto e ficou conhecida como o Mapa de Marauder (consulte a saga de Harry Potter para entender a referência). Aran Khana, um estudante de Ciências da Computação e Matemática de Harvard descobriu que sempre que enviava uma mensagem pelo Messenger ao Facebook (ativado em 2011) a geolocalização do usuário era incluída por default. Assim, com os dados que coletou de um grupo de bate-papo, o rapaz escreveu um código que permitia mapear essa informação e localizar todos os seus amigos em um dado momento. Mesmo que eles não fossem seus amigos, se eles tinham entrado no grupo de bate-papo porque eram amigos de outros, o aplicativo também podia localizá-los, espioná-los em tempo real e mapeá-los.

Para que o Messenger não envie por default os dados de localização, o usuário tinha de desativar a opção, mas ninguém (ou quase ninguém) sabia disso. Em 2012, o CNET havia advertido que estavam sendo compartilhados dados de geolocalização com cada interação do Messenger, mas nada tinha acontecido.

Com o aplicativo criado, o rapaz fez o que todos os estudantes de Harvard fazem: escreveu um artigo e publicou-o no Reddit e no Medium. Foi assim que o Mapa de Marauder se tonou viral em pouco mais de 24 horas. Segundo o jornal Boston.com, no dia seguinte à publicação do mapa o Facebook ligou para Khana e pediu-lhe para não falar com a imprensa; três dias depois pediu que desativasse o código. Enquanto isso, o Facebook finalmente corrigiu a falha de privacidade. Mas antes que tudo isso acontecesse, o Mapa de Marauder havia sido baixado mais de 85.000 vezes. "Decidi escrever esse código porque nos dizem constantemente que perdemos privacidade na medida em que digitalizamos nossas vidas, mas as consequências são raramente tangíveis. Com esse mapa, você pode ver por si mesmo como a informação que compartilhamos pode ter um uso invasivo", escreveu o estudante em seu trabalho. Leia o artigo completo aqui (em inglês). Na verdade, Khana poderia inferir a agenda semanal de cada um daqueles que participavam em qualquer grupo de bate-papo que ele mantivesse ativo no Messenger.

Uma semana depois da publicação do Mapa de Marauder o Facebook anunciou uma atualização do Messenger que permitia aos usuários “ter o controle total dos dados de localização que compartilhavam”. Não disse nada sobre o que aconteceu três anos antes. A história termina com um e-mail do Chefe de Recursos Humanos do Facebook para suspender a bolsa de estudos de verão que Khana já havia concedido pela rede social por “violação das regras dos usuários”. O rapaz insiste que ele só usou a informação que estava disponível em suas mensagens. “Não escrevi esse programa com más intenções, mas apenas para mostrar aos usuários como os seus dados estavam sendo utilizados”, disse ao Bostom.com. “Zuckerberg disse uma vez que um dos valores fundamentais do Facebook era que seus funcionários fossem ‘atrevidos’”. “Mas, aparentemente, não muito”, diz o jornal digital.

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