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Recuperado na Argentina um neto da ditadura cuja mãe sobreviveu

É o primeiro caso de uma mãe que recupera o filho nascido numa prisão da ditadura

Carlos E. Cué
As Abuenas de Plaza de Mayo, grupo formado em 1977.
As Abuenas de Plaza de Mayo, grupo formado em 1977.MÓNICA PAZ (GETTY IMAGES)

As Abuelas de la Plaza de Mayo [Avós da Praça de Maio] fecham com uma grande notícia este ano, talvez o melhor desde que a organização foi criada, em plena ditadura argentina, para procurar os netos sequestrados pelos militares nas prisões onde as mães estavam confinadas. Apareceu o neto 119, e trata-se de um caso único porque sua mãe está viva, algo inédito. O habitual era que os militares assassinassem as mães depois de dar à luz. Há mais de 500 netos desaparecidos, e as mães nunca foram encontradas. Mas este caso é especial na Argentina.

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“Não há registros de filhos encontrados com suas mães nesses casos de desaparecimentos forçados durante a ditadura”, disse o próprio neto, que se chama Mario Bravo, em entrevista à rádio FM Renacer. Ele mora na província de Santa Fe e já falou várias vezes com a mãe biológica, embora não a tenha visto. Seu primeiro encontro será nesta quarta em Buenos Aires. “Conversei nestes dias com minha mãe, que está recordando momentos muito duros. Ela conta que recuperou a liberdade por milagres depois de dois anos de cativeiro, mas sempre esteve ameaçada para que mantivesse silêncio sobre o que ocorreu”, diz Bravo.

Essa recuperação chega poucas semanas após o aparecimento do neto 118, também especialmente simbólico porque foi o de Delia Giovanola, uma das 12 fundadoras da organização e uma de suas integrantes mais carismáticas. Em diálogo com EL PAÍS, Giovanola afirmou que é previsível que apareçam muitos outros netos, não só pelo trabalho das Madres nos últimos anos, mas sobretudo porque muitos, como foi o seu caso, estão esperando que morram seus “pais de criação”, como dizem elas, ou que tenham certeza de que os pais não sofrerão represálias por terem participado indiretamente do sequestros das crianças – algo que justamente está ocorrendo no momento.

Os netos, hoje adultos na faixa dos 40 anos, estão mais do que nunca animados a recorrer ao banco genético das Abuelas para confirmar suas suspeitas. Ano passado, apareceu outro neto muito simbólico, o da presidenta das Abuelas, Estela de Carlotto, que hoje foi um dos primeiros a festejar a boa notícia da aparição do neto 119.

A mãe de Bravo mora em Tucumán, uma das províncias onde a repressão foi mais feroz. “Minha mãe vive em Tucumán, uma província que tem o agravante de ter sido governada, até há pouco tempo, por um repressor como (Antonio) Bussi. É preciso entendê-la”, diz o filho. Bussi foi o único político com uma destacada participação na ditadura que conseguiu ser eleito governador de sua província em 1995. Seu filho concorreu nas últimas eleições deste ano sem sucesso.

“Eu já vinha falando com as Abuelas, e em fevereiro me entrevistaram. Foram surgindo dados, muitos testes foram feitos, e há uma semana me ligaram do escritório de Direitos Humanos marcar uma conversa. E então me pediram autorização para comunicar o fato”, afirma o neto recuperado.

“Sou pai e não sei se tenho consciência da dimensão de tudo isto que está ocorrendo comigo. Minha mãe biológica já está em Buenos Aires e tem uma grande necessidade de me ver. Os integrantes das Abuelas prestam um excelente apoio. Amanhã será um dia muito especial. Desde segunda-feira, quando conversamos pela primeira vez, ela conta os minutos que faltam para a gente se encontrar”, completa. O caso será divulgado nesta terça em entrevista coletiva na sede da organização.

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