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“Os videogames já são cultura: se você não gosta, aguenta”

Criador do 'Tetris' diz que interatividade faz que o lazer eletrônico seja único entre as artes

Alexey Pajitnov mostra duas peças do ‘Tetris’ em Bilbao.
Alexey Pajitnov mostra duas peças do ‘Tetris’ em Bilbao.Fernando Domingo-Aldama

Nas estantes de sua casa, ainda conserva o quebra-cabeças favorito da infância. Chama-se pentominós e é composto por 12 figuras formadas por cinco quadrados. Aos 11 anos, quando brincou pela primeira vez com esse jogo de encaixe geométrico, o fez com peças de plástico "laranjas ou vermelhas." Embora agora existam peças de madeiras mais finas ou até cortadas a laser, essa versão ainda é sua favorita. "É a que conheci quando era menino." Aos 59 anos, Alexey Pajitnov (Moscou, 1956), estrela convidada do festival Fun & Serious de Bilbao, na Espanha, tem uma expressão alegre. O sorriso de ser o criador do jogo mais popular de todos os tempos, o Tetris. Centenas de milhões de jogos vendidos em 30 anos de história.

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Pajitnov viu o mundo dos videogames transformar-se na indústria cultural mais poderosa do planeta. Que movimentará mais de 80 bilhões de euros (cerca de 326 bilhões de reais) este ano, segundo a consultoria Newzoo, mais do que o dobro do que o cinema fatura nas bilheterias. Seu status cultural ainda é questionado. Mas não por esse designer russo: "Os videogames já são parte integrante da cultura, se você não gosta... aguenta [risos]". Além disso, atreve-se a afirmar que têm algo que nenhuma arte tem. "Não quero falar em termos de melhor ou pior, comparando a literatura ou o cinema com os videogames. Todas as artes são esplêndidas. Mas os videogames têm uma vantagem imbatível: a interação."

Quando criou o Tetris, Pajitnov não estava pensando, claro, em promover uma revolução cultural. Só queria se divertir. Era um engenheiro da Rússia soviética especializado em inteligência artificial, que ainda sonhava com o brinquedo pentominós de sua infância. Para se divertir, criou uma versão simplificada do jogo com quatro quadrados por figura em um computador sem gráficos. As peças estavam compostas por textos. "Houve um momento em que desenhei uma linha de código para girar as peças. Naquele instante, quando vi que a peça girava pressionando as teclas do computador, pensei que tinha algo."

Mas teve que refinar muito esse algo. Um dos primeiros problemas que Pajitnov encontrou, na busca pelo quebra-cabeça perfeito, era o que fazer quando a tela ficasse cheia de peças. “Para o jogo provocar prazer, não bastava uma experiência de dois minutos, o tempo que demorava para a tela se encher de peças. Eu precisava encontrar uma ideia que alongasse o jogo”. Primeiro, pensou em usar a barra de rolagem, ou seja, o deslizamento vertical da tela, o que fazemos hoje em dia com um golpe na roda do mouse para lermos artigos jornalísticos. “Mas isso foi um problema porque chegava um ponto em que não se via parte das peças e não se lembrava mais do que havia embaixo”. Um dia, a lâmpada acendeu. “Quando todas as peças de uma linha se ajustam, e não sobram espaços, essa linha desaparece. E aí está [sorri]”.

Tetris finalmente funcionava. Fora da União Soviética, meio mundo tinha o interesse de converter esse passatempo de um cientista em um grande negócio. Uma batalha pelos direitos por trás da Cortina de Ferro desenvolveu-se como uma trama digna de John le Carré. Mas foi um holandês, Henk Rogers, que foi para Moscou sem uma reunião prévia com o soviético, que levou o gato à água. E virou um amigo inseparável de Pajitnov. “Os outros que haviam vindo para comprar o jogo eram homens de negócios, interessados apenas no dinheiro. Ele era designer de jogos, tinha uma verdadeira paixão pelo Tetris. Nos demos bem desde o primeiro dia. Foram suas qualidades humanas que fizeram com que o escolhêssemos [Pajitnov e o governo russo, que possuía, naquele momento, os direitos]”. Anos depois daquele primeiro encontro, Rogers ajudou Pajitnov a deixar a Rússia e se estabelecer nos Estados Unidos, onde vive hoje em dia. Também fundou com ele a The Tetris Company, a empresa que puxa as cordas dos multimilionários direitos do jogo.

Questionado se os videogames têm, terão ou já tiveram o seu Dostoievski, Pajitnov tem algo a dizer: “Pense em Shigeru Miyamoto [Criador de Mario Bros que, assim como Tetris, está em seu 30º aniversário]. Milhões de crianças o admiram como um herói. Temos que pensar se o velho Fiódor está a sua altura [cai em gargalhadas]”. E o que permanece de Tetris para Pajitnov? Qual a contribuição para a história que mais o orgulha? “Que foi o primeiro jogo da história que as mulheres gostaram. Antes, a proporção de jogadores entre homens e mulheres era 95%-5%. Desde o começo, Tetris foi 50%-50%. Espero que ninguém se esqueça que foi o primeiro [ri]”. O dado não é banal. Este ano, o jornal inglês The Guardian publicou um artigo com este título: Estudo descobre que as mulheres jogam mais que os homens. A culpa é das 12 peças de plástico “laranjas ou vermelhas”.

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