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“Comecei um coletivo feminista na minha escola”

Giulia Naccarato, 16 anos, conta que ouviu ressalvas até de familiares: "Não vai ficar chata"

Giulia Naccarato, de 16 anos.
Giulia Naccarato, de 16 anos.Arquivo pessoal

Feminismo. Essa palavra assusta muitos hoje em dia e gera desgostos para alguns, resultando em insultos, discussões e até mesmo agressões. A discussão sobre a mulher e seu papel na sociedade foi colocada em pauta e ganhou muita força, principalmente no ano de 2014, mobilizando milhares e milhares de mulheres a se indignar com o machismo asqueroso e escancarado que está presente na nossa sociedade patriarcal. Segundo a Central de Atendimento à Mulher em 2014, do total de 52.957 denúncias de violência contra a mulher, 27.369 correspondem a denúncias de violência física (51,68%), 16.846 de violência psicológica (31,81%), 5.126 de violência moral (9,68%), 1.028 de violência patrimonial (1,94%), 1.517 de violência sexual (2,86%), 931 de cárcere privado (1,76%) e 140 envolvendo tráfico (0,26%) e, mesmo assim, ainda há pessoas que insistem em ignorar e desmerecer o movimento feminista.

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Eu vejo muitas meninas falando: “Olha, sou a favor da igualdade entre gêneros, mas não sou feminista... Acho o termo muito forte e radical.” E confesso que já fui uma delas. Em 2014 quando o movimento começou a ganhar muita visibilidade e as meninas começaram a se mobilizar, eu tinha muitas amigas que viraram feministas, mas eu ainda estava muito apegada àquela ideia de que o feminismo era muito radical e escolhia apenas ignorar. O jogo virou e agradeço até hoje por isso. Desde pequena eu fui apaixonada por futebol, não gostava de brincar de boneca e nem de colocar maquiagem e nunca me senti menos mulher por isso até o dia em que cheguei à adolescência e comecei a sentir na pele a pressão da sociedade para eu me adequar aos padrões e me comportar “como uma menina”.

O jogo virou quando eu comecei a me sentir desvalorizada nas quadras de futebol pelo simples fato de eu ser mulher ou quando eu andava na rua e era constantemente assediada por homens com seus comentários repulsivos que me davam náusea. Decidi então virar feminista e mergulhei de cabeça no movimento e lembro até hoje de ouvir familiares, muitos amigos e até amigas falarem pra mim: “Olha, só não vai aparecer peluda e virar uma feminazi chata de plantão.” Esses comentários nunca fizeram muito sentido para mim pelo fato de eu não conseguir enxergar a relação entre lutar por dignidade e direitos com ser chata e peluda. Então simplesmente ignorava, pois em comparação à importância do movimento e o que ele significava para mim, os insultos eram insignificantes. O empoderamento feminino é libertador e posso afirmar que o feminismo realmente te proporciona isso. Hoje participo de rodas de conversa, grupos de debate e até comecei um coletivo feminista na minha escola.

Nós mulheres lutamos muito para ter alguns direitos e hoje estamos passando por tempos obscuros devido a retrocessos como a criação do PL 5069, com autoria de nosso atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Desde a divulgação deste PL, foram organizadas marchas no Brasil inteiro para impedir a interferência do Estado no corpo feminino. Eu participei das duas marchas que aconteceram na região da Paulista em São Paulo nos dias 30 e 31 de outubro, um dos momentos mais emocionantes na minha vida, e devo dizer que, independentemente do numero de manifestações que houver, participarei de todas. Nós mulheres não vamos aceitar esse PL. O estado não é laico, é arcaico e nossos corpos não são propriedades públicas.  Por isso digo não à dominação masculina e a submissão do gênero feminino. Vocês não irão nos calar. A luta continua. Por mim, por você, por ela, por todas. O corpo é nosso. Fico com o canto das marchas: “Companheira, me ajude, que não posso andar só. Eu sozinha ando bem, mas com você ando melhor.”

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