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Segurança passa a ser a maior preocupação da Olimpíada do Rio

Brasil enfrenta a ameaça do terrorismo, contra a qual não tem experiência

María Martín
Agente francês durante um treinamento da polícia no Rio.
Agente francês durante um treinamento da polícia no Rio.Silvia Izquierdo (ap)

Paulo Storani, ex-capitão do batalhão de choque da Polícia Militar fluminense e consultor do filme Tropa de Elite, que mostra as táticas de guerra usadas pelos agentes para apaziguar as favelas cariocas, comprou vários ingressos para as Olimpíadas, mas ainda não sabe assistirá às competições. “Enquanto eu não enxergar mais gestos das autoridades demonstrando que estão no controle diante de uma ameaça terrorista, não levarei minha família a arena nenhuma”, diz.

O Governo diz estar preparado, mas garantir a segurança durante os Jogos Olímpicos que acontecerão de 5 a 21 de agosto de 2016 no Rio se transformou na maior preocupação das autoridades brasileiras para esse evento. Depois dos atentados terroristas de 13 de novembro em Paris, que deixaram 130 mortos, a poluição da baía de Guanabara, que pode atrapalhar as competições aquáticas, e o prazo de conclusão do metrô e demais obras olímpicas passaram ao segundo plano. O Rio de Janeiro, com elevados índices de violência, mas também com uma bem-sucedida experiência na organização de eventos para grandes multidões, como a Copa de 2014 e a visita do papa Francisco em 2013, enfrenta hoje um cenário delicado, que inclui um potencial ataque terrorista. Os alertas foram disparados, mas o plano estratégico e o orçamento para segurança continuam inalterados. Ninguém descarta, no entanto, a possibilidade de reforçá-los. Até agora, o ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, foi o primeiro a oferecer publicamente a ajuda dos serviços de inteligência do seu país para as autoridades brasileiras, como forma de reduzir os riscos.

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A oferta francesa foi interpretada por alguns especialistas em segurança como um “puxão de orelhas” diplomático no Brasil. “As autoridades estrangeiras estão conscientes da nossa vulnerabilidade e obviamente oferecem ajuda. É uma forma de nos dizer que não estamos plenamente capacitados”, opina André Luís Woloszyn, especialista no combate ao terrorismo e ex-analista da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

O Brasil mobilizará 85.000 policiais e soldados para garantir a segurança durante o maior evento já realizado na América do Sul. O contingente, que incluirá a presença de agentes estrangeiros, supera em mais de 30.000 homens o número total de policiais do Estado do Rio. O orçamento global de segurança, entretanto, não foi divulgado, dificultando assim que se saiba se o Governo vai injetar mais recursos diante da ameaça terrorista.

As dezenas de instituições brasileiras responsáveis pelo planejamento de segurança da Olimpíada, incluindo todos os corpos policiais, o Exército, os comitês organizadores e os ministérios de Justiça e Defesa, se reuniram nesta quarta-feira com representantes de 78 países. A reunião foi convocada antes dos atentados de Paris, e a ideia era informar às delegações estrangeiras sobre o plano que o Brasil seguirá durante os Jogos. Sem dar muitos detalhes, as autoridades se esforçaram em transmitir uma mensagem: “O Brasil está preparado para organizar uma Olimpíada segura”.

A estratégia antiterrorista sempre foi parte dos planos de segurança de qualquer evento, e os brasileiros contam com parceiros, como a França e os Estados Unidos, com os quais há anos compartilha experiências em inteligência e operação. Mas o terrorismo é uma ameaça que, na prática, o Brasil nunca enfrentou. O país não conta até hoje, por exemplo, com uma legislação antiterrorista específica.

Sem visto para promover o turismo

A presidenta Dilma Rousseff sancionou na terça-feira desta semana uma lei que permitirá aos estrangeiros entrar no Brasil sem visto durante o período da Olimpíada. A medida pretende promover o turismo de países como Estados Unidos, Japão, Austrália e China. Apesar do impacto positivo que essa medida pode vir a ter num momento de crise econômica, ela não foi bem recebida por alguns setores das Forças Armadas e da Agência Brasileira de Inteligência. Especialistas como Woloszyn acreditam que a lei não deve afetar a segurança, mas vê uma importância simbólica. “Estamos agindo ao contrário do mundo. Enquanto a maioria dos países está aumentando os controles, nós decidimos relaxá-los.”

“Temos uma grande experiência na organização de grandes eventos, temos agentes tão preparados quanto os de qualquer outro país, mas há um fator de risco: o Brasil não tem experiência nesse tipo de crime”, diz o consultor Woloszyn. “Acho ridículo dizer que o Brasil está preparado para combater o terrorismo sem dizer como. Não estamos preparados tecnicamente. Não vejo que nossas autoridades policiais tenham se preparado para estudar as ações policiais de outros países e para se qualificar e especializar para compreender essas facções terroristas”, lamenta Storani.

Woloszyn admite que o risco de um ataque terrorista durante os Jogos é remoto, embora há, ainda, a memória viva dos ataques de Munique, durante a Olimpíada de 1972, quando terroristas palestinos mataram em pleno evento 11 atletas e treinadores israelenses. “Se nos fixarmos no comportamento dos extremistas islâmicos, podemos notar que suas ações se caracterizam por escolher alvos civis em sua rotina urbana, onde não há um reforço de segurança específica, onde não há um estado de alerta. Um atentado nos Jogos seria difícil e nada benéfico para o Estado Islâmico.” É preciso considerar, no entanto, "que estratégias podem mudar pois são dinâmicas e não se pode contar com a racionalidade dos extremistas", complementa o especialista.

Os ‘lobos solitários’

A vulnerabilidade do Brasil, além das falhas no controle dos seus mais de 15.700 quilômetros de fronteiras, depende também da observação dos chamados lobos solitários, que, inspirados em grupos radicais, atuam individualmente. “É uma figura analisada pelos órgãos de segurança do mundo todo. O Brasil está atento a tudo, às organizações terroristas e aos lobos solitários”, assegurou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.

O ministro ressaltou que o lobo solitário não é um fenômeno comum no Brasil, embora a realidade demonstre que isso não impede que grupos radicais tenham apoio em um país tão distante dos conflitos bélicos do Oriente Médio. Há alguns meses, uma operação da Polícia Federal revelou que um grupo de pessoas liderado por um libanês havia enviado ao exterior até 50 milhões de reais em remessas ilegais, cujo destino supostamente seriam os cofres do Estado Islâmico. Os participantes da trama, residentes em São Paulo, alimentavam seus perfis do Facebook com vídeos das brutalidades do EI.

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