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Os Yanomami chegam a Inhotim em 500 imagens de Claudia Andujar

Pavilhão com obras da fotógrafa suíça é nova atração do paraíso mineiro das artes

Foto de Claudia Andujar em exposição.
Foto de Claudia Andujar em exposição.

Tão admirável é o milagre produzido por Inhotim, que só lá um encontro entre o milionário Bernardo Paz, que fundou o lugar, e o líder indígena David Kopenawa, Yanomami que vive em Roraima, é possível sem o peso da distância que os separa. Afinal, em meio ao idílio dessa fazenda transformada em centro de arte contemporânea a céu aberto, seus caminhos se cruzam para cumprir uma missão de primeira importância e que ambos tomam a peito: a inauguração, na quinta-feira, 26 de novembro, da tão aguardada galeria de Claudia Andujar, fotógrafa que dedicou grande parte de sua vida a registrar os Yanomami e a lutar por eles.

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A ocasião é especial por várias razões. É a primeira vez que grande parte do trabalho fotográfico de Andujar na Amazônia – cerca de 500 imagens de 1970 a 2010 – é reunido em um único espaço, permitindo a fruição panorâmica de fotografias antes vistas apenas em exposições de menor porte ou em publicações como seu livro mais recente, Marcados (Cosac & Naify). É também a segunda maior galeria das 19 de Inhotim, com suntuosos 1.600 m² que abrigarão permanentemente as imagens dos Yanomami  – um povo vibrante, em muitos momentos, em outros tão abalado pelo contato com não-índios –, captadas pelo olhar sincero e amoroso, anti-etnográfico, da fotógrafa.

“Muitas gerações, do meu povo e do seu povo, poderão vir nessa casa e ver a imagem do Yanomami, que está na parede agora e tem que ser preservada”, diz Davi a Bernardo durante um evento de abertura para a imprensa. O empresário, que inaugurou Inhotim em 2006 dando asas a seu sonho de criar um espaço público e sustentável dedicado “à emoção e à sensibilidade”, segundo suas próprias palavras, assente com a cabeça e encara seu interlocutor com um olhar de admiração. O líder indígena continua, dirigindo a fala a todos os presentes: “Há 40 anos, o branco olhava o índio de cima para baixo. Hoje, estamos na mesma altura”.

Galeria Claudia Andujar em Inhotim.
Galeria Claudia Andujar em Inhotim.William Gomes

As conquistas foram demoradas, mas se concretizam, ao menos na galeria de Claudia Andujar, com pompa e circunstância. A exposição inaugural do pavilhão – que demorou cinco anos para ficar de pé e hoje é possível porque Inhotim abriu suas portas a empresas patrocinadoras (neste caso, o banco Santander) – está dividida em quatro blocos. No primeiro, fotos áreas de paisagens impactam o visitante com a mensagem de que, na natureza, nada é romântico. Como na cosmovisão indígena, ela faz parte da vida, unida ao homem na dança do universo, o que se nota em ampliações inéditas de detalhes captados de rios e troncos de árvores. No segundo, os Yanomami aparecem retratados por Andujar no comecinho dos anos 70, quando ela faz sua primeira imersão amazônica e dá na carreira na fotografia um forte passo autoral, em cenas do dia a dia que emanam equilíbrio. Além das imagens, o visitante vê exibidas publicações de época como a revista Realidade, onde a fotógrafa publicou sua primeira série de fotos da Amazônia, e o livro Mitos e Poemas Yanomami, que relata histórias ancestrais.

No terceiro, as festividades xamânicas – aspecto da cultura Yanomami de que as mulheres em geral não fazem parte – e os corpos vistos de perto são um grande destaque do pavilhão, com as mais belas fotos de Andujar. São séries narrativas e sensuais, em que o olhar da câmera parece responder ao espectador que, ao encarar seu diferente, se questiona “quem são eles” – pergunta à qual a fotógrafa responde para si e para os demais com intimidade e sem rodeios, dando à palavra retratar uma profunda dimensão. Por fim, no quarto bloco, o ambiente até então equilibrado e então festivo dá lugar a um clima sombrio, em que o desequilíbrio que resulta do encontro com os brancos se faz notar na famosa série de fotos feitas para os cadastros de saúde utilizados para o controle de vacinas e também na série Toototobi (2010), realizada durante uma assembleia da Fundação Hutukara, ainda inédita.

A fotógrafa ao lado da série 'Toototobi'.
A fotógrafa ao lado da série 'Toototobi'.William Gomes

“Nosso objetivo era mostrar a obra dela com uma inteireza e um fôlego, como não havia acontecido antes, e de uma maneira permanente, para proporcionar uma imersão”, explica o curador Rodrigo Moura, diretor artístico de Inhotim – que teve um custo total de 12 milhões de reais com a galeria, financiados com recursos da casa, do Santander e de um grupo de 20 doadores privados. Para Moura, o legado de Claudia Andujar, é “a maneira como desmontou esse campo documental da fotografia, etnográfico, pseudo-científico, ao retratar os indígenas”.

Presente na pré-abertura do espaço, a fotógrafa que encontrou sua pátria no Brasil Yanomami conta que, de sua descoberta desse povo que ela adotou e que a acolhe até os dias de hoje, o que mudou foi, essencialmente, os indígenas terem ganhado consciência. “Lutamos durante muitos anos pela demarcação das terras Yanomami e conseguimos isso em 1992, quando eu achava que já não seria possível. Mas os problemas não acabaram. Davi está desde 2004 à frente da Fundação Hutukarae faz o possível para que o Governo retire os garimpeiros que ameaçam sua terra. No passado, os Yanomami não precisavam ter essa consciência. Hoje, eles já sabem se defender”, diz.

David Kopenawa visita a galeria de Claudia Andujar com companheiros ianomâmi.
David Kopenawa visita a galeria de Claudia Andujar com companheiros ianomâmi.William Gomes

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