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Peronismo luta de casa em casa para não perder o poder na Argentina

O EL PAÍS acompanha militantes que vão de porta em porta na periferia de Buenos Aires

Jovem militante peronista entrega panfleto de Scioli a uma moradora do bairro Obligado de Bella Vista, na Grande Buenos Aires.
Jovem militante peronista entrega panfleto de Scioli a uma moradora do bairro Obligado de Bella Vista, na Grande Buenos Aires.Ricardo Ceppi

O voto é secreto na Argentina, como em todo lugar, mas não para Laura López. A dirigente local da Frente para a Vitória –coligação do peronista Daniel Scioli– no bairro Obligado de Bella Vista, em San Miguel, a 37 quilômetros de Buenos Aires, tem um mapa eleitoral de sua área na cabeça. Sabe quantos maiores de 16 anos há em cada casinha baixa, algumas muito precárias e em ruas de terra, que percorre diariamente. Sabe quem votou e quem ficou em casa. E diz saber quase 100% quem apoiou Scioli, quem escolheu o liberal Mauricio Macri e sobretudo quem respaldou o peronista dissidente Sergio Massa, o terceiro na disputa. E esse é seu objetivo. Massa ficou fora do segundo turno e seus 5,2 milhões de votos decidem as eleições. A enorme estrutura local do peronismo luta de casa em casa para conseguir esses votos da Massa. É sua única oportunidade para não perder.

Laura sai para “rastrillar” –literalmente fazer uma varredura quadra a quadra– às 11h da manhã com um grupo de oito companheiros. A maioria funcionários públicos que tiram o dia ou algumas horas para fazer o trabalho. Outros são estudantes. Pablo Walker, o chefe do grupo, afirma que ninguém cobra para fazer isso, que são militantes. Vão de casa em casa em grupos de dois. Batem palmas para chamar, o modo habitual na periferia. Muitas vezes não há campainha.

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“Aqui as pessoas não têm nem telefone fixo, por isso os pesquisadores não chegam. Nem há tanto twitter nem Facebook. Mas todo mundo viu o debate. E viu Scioli contando que Macri votou contra coisas que foram boas para a população. Isso tem muito mais efeito que qualquer pesquisa”, anima-se Laura. As pesquisas apontam Macri como vencedor, mas ninguém pode detectar esta briga casa a casa, voto a voto. Os militantes distribuem folhetos em que se prevê que, com Macri, os salários e as aposentadorias diminuirão e haverá menos trabalho. “A partir de 25 de outubro [o primeiro turno] começamos a falar com as pessoas sobre como Macri vai afetar o bolso delas, que vai subir o pão, a carne, o leite”, explica Walker. Todos estão muito surpresos com o resultado e viram que Macri também foi de porta em porta, algo que nunca tinha acontecido. A competição é dura.

Os militantes perguntam de casa em casa em quem vão votar. Fazem-no de forma suave. Se virem indecisão, falam de Macri e de como sua vitória afetaria o seu bolso, com uma grande desvalorização. “Este país não vai mudar”, retruca um morador a uma militante, mas depois afrouxa: “Mas em Macri não voto, é empresário”, diz. Pablo entra em uma sapataria. Pergunta ao dono o que achou do debate na televisão. Não acha que está decidido. “O pequeno comércio é afetado se as coisas vão mal para o trabalhador”, argumenta Pablo, que depois reflete com seus companheiros: “É melhor não confrontar porque abaixam a persiana”.

Eduardo Zone, também funcionário público, é o responsável por este bairro. “O trabalhador prefere Scioli. Tem rejeição a Macri, pensa que vai ser um desastre. Pode ter votado em Massa por causa da insegurança e do narcotráfico, mas agora pensa nos aspectos trabalhista e econômico”. Eduardo cumprimenta uma idosa de 85 anos. “Eu não voto mais. Já fiz tudo o que tinha que fazer em minha vida. Meus cinco filhos têm trabalho”, diz a moradora. “E a senhora não se preocupa com o futuro de seus filhos e netos?”, pergunta Eduardo. Ao finalizar o diálogo, Pablo, seu chefe político, anota onde vive a senhora. Depois dirá a Laura, que conhece todos e vem diariamente, para passar lá e tomar uns mates com a senhora para convencê-la a ir votar.

Os militantes perguntam aos moradores o que acham das eleições e tentam convencer sem confrontar

Eduardo aborda três varredores. “Eu voto em Macri porque quero uma mudança”, diz um deles. “Sim, Macri vai ganhar, venceu o debate”, sorri outro. “Quanto vocês ganham?”, pergunta o militante. “6.500 pesos (2.500 reais)”, responde. “Você acredita que Macri vai aumentar o seu salário? Se vier uma desvalorização de 50% todos os preços vão subir, mas o salário não”, alerta Eduardo. Os varredores estão fazendo piada. Finalmente, o primeiro diz: “Não, na verdade, eu vou votar em Scioli. Com Macri vamos nos dar mal”.

“Se vier Macri, tudo vem abaixo”, diz a Eduardo uma feirante que vende roupa em uma praça. Em uma parede está escrito: “Se votar em Macri, te espero no escambo”. Assim os peronistas recordam como na crise de 2001 os pobres, sem dinheiro para comprar nada, foram aos chamados clubes de escambo, já desaparecidos, para trocar uns pertences por outros ou por comida. Toda a Argentina está cheia de pichações. As universidades também. “Para que os cientistas não voltem a lavar pratos, vote em Scioli”, lê-se na entrada de uma delas.

No entanto, o voto jovem é o que mais preocupa o peronismo, que está apostando tudo. Até a presidenta, Cristina Kirchner, que estava havia vários dias em silêncio tendo em vista que sua presença na campanha parece prejudicar Scioli, reapareceu no Twitter para atiçar os jovens contra Macri. “Se você é muito jovem e não viveu o que aconteceu antes de 2003, pergunte a seus pais como era a Argentina dos anos 1980, dos 1990, de 2001”, escreveu a presidenta.

O peronismo está fazendo de tudo contra a provável vitória de Macri. Scioli está conseguindo, na última hora, apoios inesperados como o do ex-presidente Eduardo Duhalde, muito crítico ao kirchnerismo, ou de Felipe Solá, que foi governador peronista de Buenos Aires e agora está com Massa. Indiretamente disse que votará em Scioli. A mobilização na base peronista para frear Macri está sendo importante e silenciosa. As divisões internas continuam sendo o grande problema, mas agora parecem deixadas de lado para tentar ganhar.

A campanha negativa contra Macri não tem efeito nas classes média e alta, onde chegou a ser ridicularizada. Mas ninguém sabe que efeito real terá nos bairros populares, como o de Obligado, nessa enorme massa de eleitores da periferia de Buenos Aires que foi o celeiro do peronismo e, no primeiro turno, lhe deu as costas, pelo menos em parte. De sua recuperação ou não dependem as eleições. “Nós vamos continuar indo de casa em casa, nos trens, nos ônibus, com pichações até as 7:59 de sexta-feira, quando permite a lei. Cada voto conta”, promete Pablo Walker enquanto parte com sua equipe para a estação de trem para procurar os trabalhadores que estão voltando para casa. É a micropolítica que as pesquisas não detectam.

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