_
_
_
_
_

Barreiras e resistência em deixar o lar dificultam os resgates em Mariana

Muitas pessoas estão permanecendo de forma improvisada em suas casas afetadas A lama já chegou ao leito do rio Doce, e a contaminação alta impede o tratamento da água

Casal tenta limpar a casa em Barra Longa.
Casal tenta limpar a casa em Barra Longa.Antonio Lacerda (EFE)

Passados três dias da avalanche de lama que devastou a região de Mariana, depois do rompimento de duas barragens de detritos da mineradora Samarco, em muitas localidades ainda há pessoas ilhadas. Algumas esperam o resgate chegar a essas áreas de difícil acesso, enquanto outras resistem em deixar para trás o pouco que restou da vida anterior à tragédia.

Mais informações
O que sabemos até agora sobre os riscos à saúde da lama da barragem
A cidade que a mina engoliu
O último quilombo de Paracatu
A corrida pelo ouro ameaça os Yanomami da Amazônia brasileira
Belo Monte: a anatomia de um etnocídio
Nova febre do ouro arrasa 1.300 km2 de selva na América do Sul
Viagem à capital mais poluída

Mandioca, uma das localidades da cidade de Barra Longa (a 70 quilômetros de Mariana), é uma das áreas mais isoladas. O acesso era feito por uma ponte que está destruída e agora a única forma de chegar até lá é por uma trilha de 40 quilômetros desde o vilarejo mais próximo, até onde se pode chegar de carro. Neste sábado, equipes de voluntários da Cruz Vermelha conseguiram alcançar o local e cerca de 30 pessoas, entre elas 20 idosos, devem ser resgatadas por helicópteros neste domingo, segundo o coordenador da equipe das brigadas 4X4 da entidade, Robson Ferreiras Dias. “Um grupo de jipeiros encontrou o grupo isolado, inclusive alguns em uma situação bem precária, um com a perna quebrada. Na mesma hora, fizeram uma abertura na mata para chamar o resgate de helicóptero. Devido ao mau tempo, o resgate foi adiado para este domingo”, afirmou.

Outro grupo de idosos, todos de uma mesma família, seguia no local na noite de sábado e ainda não havia previsão de quando deixariam a região. A mãe de Hélio Campus Luz, dona Geralda, de 70 anos, é uma das que resistem a sair. A casa dela foi totalmente destruída pela enxurrada de lama que chegou ao local algumas horas depois do acidente das barragens. A idosa e o marido foram avisados a tempo pelo filho sobre a lama que vinha em direção ao povoado e conseguiram escapar ilesos. “A casa ficava a apenas 50 metros do rio que se transformou em uma avalanche de lama”, conta Luz à reportagem do EL PAÍS em um ponto de apoio que foi criado por voluntários na região para recolher mantimentos para os moradores ilhados. Após a destruição, o casal de idosos se mudou para um quartinho no curral, uma espécie de cômodo onde guardam rações para animais. Sem muitas alternativas, foi o que encontraram para ainda permanecer onde se sentem em casa.

“Eles estão em péssimas condições, estamos levando água e comida, mas o local está uma lama pura, sem energia elétrica. Eles estão vivendo à luz de velas e lamparina. Estamos tentando convencê-los de sair de lá, mas os dois não querem ficar longe de onde vivem. São mais resistentes, mas já estamos procurando um local próximo, mais seguro” conta a esposa de Hélio, Ângela de Souza Luz, de 44 anos.

Carro da Cruz Vermelha que auxilia no resgate.
Carro da Cruz Vermelha que auxilia no resgate.
Aluvião do lama em Minas Gerais
Aluvião do lama em Minas Gerais

Professora em Barra Longa, Ângela não esperava que o tsunami de lama chegasse até sua cidade, que também está em estado de emergência. A prefeitura estima que cerca de 300 pessoas tenham perdido suas casas, mas não há registro de mortos ou feridos.

“Estamos muito longe de Bento Rodrigues. A sorte foi que a notícia que o lamaçal de fato chegaria foi passada um pouco antes. Mas a verdade é que faltou um aviso da Samarco. Todo mundo foi surpreendido e subiu para os pontos altos da cidade”, explica Ângela. O centro da cidade, no entanto, se transformou em um lamaçal avermelhado.

“Quem tinha casa na parte baixa perdeu tudo. A lama invadiu supermercados, lojas, a praça central. A cidade está irreconhecível, o cheiro é forte, de barro podre, esgoto. Dá medo porque parece tóxico. Moro há mais de 30 anos lá e nunca vi nada igual”, conta.

O prefeito Fernando Carneiro Magalhães (PMDB) afirmou que mais de três pontes estão inacessíveis na região, o que deve comprometer na próxima semana o acesso também dos ônibus escolares. Ele estima um prejuízo de aproximadamente 10 milhões de reais nas áreas atingidas pela avalanche de lama.

Solidariedade

Além das equipes de resgate e da Cruz Vermelha, muitos moradores têm se solidarizado com a população afetada pelo desastre de Mariana. Foi o caso de Sãozinha que resolveu, junto com o marido, abrir a portas de casa e do bar que possuem perto da localidade de Mandioca para ajudar os necessitados. O local virou um ponto de apoio para os que precisam tomar banho, dormir e comer. Muitas doações estão sendo armazenadas no local. “A tragédia foi grande demais, não sei quantas pessoas já passaram por aqui. A minha casa não sofreu nenhuma consequência, mas o importante é se solidarizar com o os outros”.

Em Mariana, a solidariedade dos moradores foi tanta que a prefeitura chegou a informar que já não precisava mais de donativos, como roupas, mantimentos e colchões. Mas no final deste domingo, realizou um levantamento com a equipe de Desenvolvimento Social e Cidadania e constatou a necessidade de arrecadação de mais donativos. Os itens de maior necessidade são: alimentos específicos para crianças (NAN 1 e 2, APTAMIL 1 e 2, APTAMIL PRE, Nutrem Activia e Mucilon), roupas infantis, ração para animais de pequeno porte (cães e gatos), água, açúcar, óleo de cozinha, sal, pó de café e peças íntimas.

A prioridade também são as doações financeiras. Foram disponibilizadas duas contas: uma do Banco do Brasil, por meio do CNPJ 18.295.303/0001-44 (Agência: 2279-9, Conta Corrente: 10.000-5) e outra da Caixa Econômica (Agência: 1701, Operação: 013, Conta Poupança: 100-2).

Trajeto da lama

A lama com resíduos, que saiu de Bento Rodrigues, já chegou na tarde deste domingo no leito do Rio Doce, em Governador Valadares, cidade com mais de 270 mil habitantes. A prefeitura afirmou, em nota, que o nível de contaminação é alto, o que impede o tratamento. "A mesma conclusão chegaram outros órgãos federais e estaduais como a Copasa e a Agência Nacional de Água (ANA) que estão fazendo o monitoramento e análises. Nenhum tratamento é eficaz enquanto a lama não se diluir e passar”.

A ANA recomendou que os sistemas de abastecimento interrompam a captação das águas afetadas pela lama liberada pelo rompimento de barragens de rejeitos de mineração.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_