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Coluna
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Aprendendo com os erros dos Estados Unidos

Os EUA colocarão em liberdade cerca de 6.000 presos que vêm cumprindo penas por crimes não-violentos relacionados a drogas. O Brasil deveria acompanhar esse movimento de perto

Amanda Oliveira/ GOVBA (Fotos Públicas)

Os Estados Unidos colocarão em liberdade, neste fim-de-semana, cerca de 6.000 presos que vêm cumprindo penas, de caráter federal, por crimes não-violentos relacionados a drogas, a maior libertação de presos em massa da história norte-americana. A medida é um sinal da enorme mudança que vem ocorrendo no país que mantém o maior número de pessoas presas do mundo. Políticos de ambos os partidos e até delegados de polícia hoje concordam que o encarceramento em massa não aumenta a segurança pública.

Este é um movimento que o Brasil deveria acompanhar de perto.

O Brasil detém a questionável reputação de ser o país que abriga a quarta maior população carcerária do mundo. Enquanto o número de pessoas presas tem diminuído desde 2008 nos três países que ocupam o topo desse ranking, o Brasil segue na direção contrária. O número de presos no país aumentou quase 7 vezes nos últimos 25 anos, alcançando mais de 600 mil pessoas, que são mantidas em instalações com vagas para 377.000.

Esse crescimento explosivo levou o sistema prisional à beira do colapso, tornando as cadeias focos de violência, doenças e corrupção e de graves violações dos direitos humanos.

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EDITORIAL | A crise carcerária dos EUA

Assim como alguns políticos brasileiros, muitos de seus pares norte-americanos passaram décadas defendendo punições mais severas como solução para a criminalidade. No entanto, estudos realizados desde 1958 têm mostrado que trancafiar infratores de baixo risco juntamente com condenados a penas mais longas equivale a enviar novatos à escola do crime. Suas opções de vida após a prisão ficam severamente limitadas, a reincidência no crime elevada, e o ciclo torna-se difícil de ser quebrado.

A libertação desses 6.000 presos é consequência de novas regras sobre a punição adotadas no ano passado por uma comissão de alto nível do Judiciário, que também sugeriu que elas fossem aplicadas retroativamente. Muitas outras das cerca de 100.000 pessoas que cumprem penas em prisões federais dos EUA por crimes relacionados a drogas poderão ser libertadas mais cedo ao longo dos próximos anos.

Ainda há muito por fazer na construção de um sistema de justiça mais digno e eficaz nos EUA, onde forças poderosas ainda se opõem à mudança.

Ainda assim, por meio de um exame cuidadoso dos resultados de décadas de políticas criminais baseadas em punições excessivamente severas – as vezes elaboradas por motivação política – os EUA vão agora economizar milhões de dólares, melhorar o funcionamento da justiça e devolver dezenas de milhares de cidadãos à sociedade, sem nenhuma indicação de que isso causará prejuízos à segurança pública. Os estados de Nova Jérsei, Califórnia e Nova Iorque já reduziram suas populações carcerárias em cerca de 25% nos últimos anos, sem verificar aumento na criminalidade.

É compreensível que nós brasileiros queiramos nos sentir mais seguros. Apenas no ano passado, 58.000 pessoas foram assassinadas no país – um aumento de quase 4% em relação ao ano anterior, que já foi marcado por enorme violência. No entanto, o encarceramento em massa de pessoas é injusto, levando, inevitavelmente, a violações dos direitos humanos e é contraproducente. E não são os assassinos que lotam as cadeias: a polícia brasileira esclarece apenas entre 5 e 8% de todos os homicídios, de modo que o risco de ser preso não serve para desencorajar a criminalidade.

Alguns políticos brasileiros defendem a privatização das prisões como solução para a crise do sistema penitenciário. Essa medida, no entanto, nada faria para solucionar o problema central: o encarceramento excessivo e crescente. Em vez disso, a privatização adiciona o componente “lucro” à mistura, o que pode tornar as reformas ainda mais difíceis.

A solução norte-americana tem sido encurtar as longas penas para crimes não-violentos. O Brasil vislumbra outras oportunidades. Mais de 40%dos detentos brasileiros são presos provisórios. Em flagrante violação dos padrões internacionais, alguns esperam até 2 anos para ver um juiz pela primeira vez – e a maioria é encarcerada juntamente com presos condenados, incluindo criminosos violentos.

Também em violação do direito internacional e a lei brasileira, milhares de detentos que já completaram suas penas permanecem atrás das grades por conta de falhas no sistema judicial, incluindo a escassez de defensores públicos. Desde 2008, juízes que participaram em mutirões do Conselho Nacional de Justiça já determinaram a libertação de pelo menos 45.000 pessoas mantidas presas de forma ilegal.

Um plano abrangente para garantir uma justiça ágil a todos os presos faria uma enorme diferença para reduzir a população carcerária e melhorar as condições nas perigosas, superlotadas e insalubres masmorras que são as prisões do país. Seria também um importante passo rumo ao fim das escolas do crime, e para que o Brasil respeite suas obrigações com os direitos humanos.

Maria Laura Canineu é diretora da Human Rights Watch para o Brasil.Cesar Muñoz Acebes é pesquisador sênior da Human Rights Watch no Brasil.

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