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Os 33 já não estão muito bem

Cinco anos mais tarde, o resgate dos mineiros chilenos chega aos cinemas Babel falada em inglês, o filme é superficial e desagradou alguns dos envolvidos

Antonio Banderas faz o papel de Mario Sepúlveda, o líder dos mineiros.
Antonio Banderas faz o papel de Mario Sepúlveda, o líder dos mineiros.Divulgação

Você é uma das raras pessoas que não assistiu ao drama dos 33 mineiros chilenos quando ele passou pela primeira vez na televisão – em tempo real, direto do lugar dos fatos –, em 2010? Se for, pode assistir a Os 33, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 29 de outubro, e encontrar algumas passagens interessantes... talvez até se emocionar com alguns momentos do filme. Afinal, é uma incrível história de sobrevivência que comoveu o mundo e o continuará fazendo por muito tempo.

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Mas, em termos cinematográficos, não espere muito desta megaprodução feita entre os Estados Unidos e o Chile, rodada em parte na Colômbia, falada em inglês e que mistura atores e técnicos de várias partes do mundo. Produção essa, cuja existência foi pactuada quando os trabalhadores da mina San José, no deserto do Atacama, ainda estavam 700 metros debaixo do solo, onde ficaram presos por 71 dias até serem salvos graças a uma operação de resgate histórica e televisionada. O show, mesmo após cinco anos, quem garante ainda é o episódio em si, não o longa-metragem de Patricia Riggen – uma jovem cineasta mexicana que circula por Hollywood, porém sem trabalhos anteriores de grande expressão.

Lá na tela do cinema todos foram rapidamente identificados: o mineiro carismático (Mario Sepúlveda, o líder do grupo, interpretado pelo espanhol Antonio Banderas), o encrenqueiro (Edison Elvis Peña, vivido pelo ator mexicano Jacob Vargas), o que estava deprimido e tinha problemas com álcool (Darío Segovia, papel do colombiano Juan Pablo Raba), o único que não era chileno e sofria bullying (Carlos Mamani, o Boliviano, na pele do mexicano Tenoch Huerta). E o problema acontece rápido: os trabalhadores entram na mina, cujas condições, graças ao deslocamento da montanha, já anunciavam risco de desabamento... e as paredes vêm abaixo. Ocorrido o desastre, logo surgem outras figuras envolvidas, como a irmã de Darío, María Segovia (a francesa Juliette Binoche), o ministro de minas Laurence Golborne (o brasileiro Rodrigo Santoro), o chefe do resgate André Sougarret (o irlandês Gabriel Byrne), o presidente chileno à época, Sebastián Piñera (o estadunidense Bob Gunton), que ocupam seus lugares e começam a agir.

O ex-presidente chileno com a mensagem dos mineiros, quando descobriu-se que estavam vivos: "Estamos bem no refúgio, os 33".
O ex-presidente chileno com a mensagem dos mineiros, quando descobriu-se que estavam vivos: "Estamos bem no refúgio, os 33".EFE

Haveria tempo suficiente para desenvolver na ficção os duros embates que se deram na realidade (ou ao menos algum deles): a relação entre os mineiros – que suportaram a fome, o calor, o medo da morte iminente e a esperança de sair do acidente com vida –, o caso e, ao mesmo tempo, o descaso das autoridades e demais envolvidos no resgate, as aflições e pressões dos familiares no acampamento instalado nos arredores da mina e batizado de La Esperanza e o circo midiático de jornalistas do mundo inteiro que se deslocaram para Copiapó, um pueblito chileno que antes mal figurava no mapa.

Porém, o roteiro dos profissionais contratados para criar a história (entre eles, José Rivera, roteirista de Diários de Motocicleta, de Walter Salles) passa tão superficialmente por tudo isso, que até o mais emotivo dos espectadores sente suas lágrimas secarem antes do esperado. As exceções a essa regra são poucas: a relação reconstruída entre os irmãos Darío (Raba) e María (Binoche) Segovia garante alguns segundos de empatia ao mostrar como o distanciamento de uma vida inteira se torna secundário diante da ameaça real da morte; e os tapas trocados entre a esposa e a amante de um dos mineiros (que descobrem a existência uma da outra, na vida real, após o acidente) proporciona um par de risadas.

O que esperar, enfim, de um filme baseado em um livro cujo acordo foi firmado entre o autor (Hector Tobar) e os mineiros, sob a terra, pela mesma via perfurada através da qual eles recebiam água e comida? Não muito, além de espetacularização.

Os espectadores não são os únicos insatisfeitos. À estreia mundial do filme, em Santiago do Chile, não compareceram quatro dos 33 mineiros. Um estava doente e os outros três afirmaram estar indignados, porque os direitos de sua história foram cedidos perpetuamente ao estúdio de Hollywood. Eles assumem que, no calor das coisas, “não leram o contrato”, mas acreditam que mereciam mais do que o a remuneração e o tratamento que lhes foi dado em termos contratuais. Em agosto, o grupo estava renegociando com os produtores do filme o acordo que assinaram sob o efeito inebriante do ocorrido.

Logo após o acidente, todos recebidos como heróis, viajaram às Ilhas Gregas e à Disneylândia e celebraram o fato de que ganhariam uma pensão do Estado (são 450 dólares mensais). De volta para casa, no entanto, muitos ficaram sem dinheiro e começaram a ter problemas emocionais e físicos. Há também quem não gostou do filme em si, como Carolina Lobos, a filha do mineiro Franklin Lobos (interpretado pelo ator chileno Alejandro Goic), que postou em sua página no Facebook: “Escutar o [Antonio] Banderas e o [Mario Casas] falando do que aconteceu na mina San José chega a me dar raiva. Porque falam da história que Hollywood criou, não da realidade. Fico com o que realmente vivemos”.

Os 33 ainda estreará nos Estados Unidos, mas talvez nem lá, para o público afim aos blockbusters, a produção deve colar. No Chile, apesar das críticas negativas, ela já tinha alcançado a marca de um milhão de espectadores no mês passado.

Rodrigo Santoro faz o ex-ministro chileno Laurence Golborne.
Rodrigo Santoro faz o ex-ministro chileno Laurence Golborne.Divulgação

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