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Youtubers movimentam mercado dos cabelos cacheados na internet

Jovens emprestam imagem para marcas que querem atrair consumidores nas redes

Gill Vianna, youtuber de cachos
Gill Vianna, youtuber de cachosDivulgação

Foi para juntar dinheiro para pagar a faculdade de direito que a blogueira e youtuber brasiliense Juliana Louise, de 24 anos, começou a divulgar tutoriais de moda e de maquiagem na internet, fazendo uma espécie de propaganda dos cosméticos e roupas que vendia pelo Facebook. Seu blog nasceu em 2010 e, alguns meses depois, inscreveu seu primeiro vídeo no YouTube. "Cada vez mais pessoas estavam assistindo meus tutoriais, mas a maior parte dos comentários era sobre o meu cabelo. As meninas queriam saber como eu cuidava dos meus cachos e foi aí que comecei a me dedicar mais a eles", explica.

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Isso porque seu relacionamento com os longos cabelos cacheados nem sempre foi dos melhores. "Desde criança eu queria ter cabelo liso. Eu passava química de relaxamento para tirar o volume e, graças ao interesse das pessoas pelos meus cachos, eu parei de tentar modificá-los. Eu queria descobrir como o meu cabelo era de verdade para poder transmitir para as leitoras informações de qualidade", conta Juliana.

Mas foi com dois anos de canal no YouTube os primeiros retornos financeiros começaram a aparecer. O sucesso dos tutoriais se refletia nas vendas de maquiagens e roupas. "A garagem de casa servia de loja improvisada e começou a ficar abarrotada de produtos e de pessoas que queriam experimentá-los antes de comprar. Alugamos uma loja de rua e até hoje vendo meus produtos por lá. Este ano comecei a trabalhar com uma marca própria de roupas", afirma.

Não era apenas a venda de produtos que complementava a renda da família. O próprio canal do Youtube começou a render uma grana extra. Juliana ganha um pequeno percentual por propaganda veiculada em seu canal. A receita principal, contudo, vem de parceria com marcas de cosméticos. No ano passado, por exemplo, uma multinacional de produtos de cuidados pessoais e beleza a contratou como embaixadora da marca. A youtuber participou de propagandas e de publivídeos, tutoriais patrocinados.

Juliana Louise começou a postar tutoriais das maquiagens que vendia
Juliana Louise começou a postar tutoriais das maquiagens que vendiaDivulgação

"No final do ano passado, só a renda do YouTube já era suficiente para viver. Sou casada, moro com meu marido, que trabalha na loja comigo, e conseguimos pagar as contas da casa todos os meses com a renda do meu negócio", afirma Juliana, que ultrapassou a marca de 100.000 inscritos em seu canal recentemente.

A maranhense Gill Vianna, de 30 anos, também tem conseguido viver da renda dessa profissão nascida no século XXI. Como youtuber, já foi embaixadora de cosméticos para cabelo e faz parcerias com diversas marcas. Sua página tem mais de 1,5 milhão de visualizações e 200.000 inscritos. "Cuido do meu canal 24 horas por dia. Já comprei uma câmera melhor e um computador mais potente, investi no cenário, na qualidade do vídeo e da edição", conta. "As marcas procuram as blogueiras pela credibilidade que elas conquistaram nas redes e na fidelidade do público que segue o canal. Fazer uma boa produção de conteúdo, portanto, é fundamental", complementa.

Ela destaca que a principal função de uma youtuber de cachos é quebrar paradigmas da beleza. "Cresci sem referências de cabelos cacheados e de mulheres negras na televisão. Aprendi sozinha a cuidar dos meus cachos e meu objetivo principal é mostrar para as pessoas como o nosso cabelo natural é lindo. Não precisamos alisar ele para ficarmos bonitas. Precisamos sentir orgulho da nossa história", afirma Gill.

A youtuber conta que, diferentemente da maior parte das cacheadas brasileiras, sempre teve um "caso de amor" com o cabelo e nunca passou nenhuma química nas madeixas. "Mas usava com muito creme, para reduzir o volume. Hoje sei que a beleza do meu cabelo está justamente no volumão dele e não quero mudá-lo em nada".

Gill Vianna ganhou fama publicando tutoriais para as amigas
Gill Vianna ganhou fama publicando tutoriais para as amigasDivulgação

Embora hoje sua carreira esteja centrada no YouTube e no blog Coisas de uma cacheada, Gill não pensa em parar por aí. "O público do YouTube é muito jovem. A minha audiência é mais madura, até porque não sou mais uma adolescente. Sinto-me um pouco insegura em relação a como será essa minha profissão daqui três anos", diz. Um projeto que pretende tocar em breve, para garantir mais segurança financeira, é a criação de um Espaço Gill Vianna, dedicado a cabelos crespos e cacheados. "Um espaço que ensine as pessoas a cuidar dos fios, uma marca, talvez", projeta. Foi ensinando um grupo restrito de amigas a cuidar dos cabelos que nasceu o canal no YouTube. "Minhas amigas pediam dicas de finalização, tratamento, receitas caseiras. Eu postava os vídeos explicando, pois ficava mais fácil para elas entenderem. Foi assim que comecei a ter muitos acessos, no boca a boca", lembra.

Melhor que cargo público

A capixaba Karina Viega também almeja projetos paralelos ao blog e ao canal no YouTube para o futuro. No momento, entretanto, resolveu se dedicar ainda mais ao seu trabalho na internet. Há cinco meses, ela resolveu largar sete anos de carreira pública num banco do Espírito Santo para focar na profissão de blogueira. Por seu blog, o Acorda, bonita, passam mais de 15.000 pessoas por dia, audiência que já lhe rendeu diversos anúncios e publieditoriais - em um mercado que tem no seguidor a moeda de troca para parcerias comerciais com as marcas. "Quando eu deixei meu emprego no banco, o blog já estava me rendendo um salário semelhante. Hoje, eu ganho quase o dobro, mas não é um dinheiro fixo, estável", explica.

Formada em letras, Karina começou a compartilhar informações na rede por "paixão pela comunicação". Já teve um blog de poesias e foi colunista do site Patricinha Esperta. Sua experiência com o YouTube ainda é recente. O canal nasceu em junho deste ano, atendendo a pedidos das leitoras. "Tem gente que assimila melhor um conteúdo visualmente", justifica. Ainda assim, a maior audiência vem do blog. "Tenho posts compartilhados por mais de 2,5 milhões de pessoas. Mas poucos inscritos no YouTube. No blog, as pessoas quase não comentam os textos, já no meu canal o público interage comigo muito mais. É uma relação bem interessante", afirma Karina.

Karina Viega deixou um cargo público para se dedicar ao blog
Karina Viega deixou um cargo público para se dedicar ao blogDivulgação

Assim como Gill Viana, Karina nunca usou química de alisamento no cabelo. Mas, até os 12 anos, ele vivia preso. "Só depois comecei a gostar mais do meu cabelo, a usá-lo com mais volume", conta. Embora destaque a importância da proliferação de blogueiras especializadas em cachos pelas redes para quebrar preconceitos e paradigmas estéticos, Karina acredita que o boom de produtoras de conteúdo está com os dias contados.

"O YouTube já está saturado. Qualquer pessoa pode fazer um vídeo hoje, sem muitos recursos. Acho que os canais que resistirão serão aqueles que primam pela qualidade e profundidade", pondera. Ainda que não enxergue no blog uma fonte de renda vitalícia, por ora o investimento de tempo e recursos no site tem gerado bons frutos. Até o namorado largou o emprego na área de tecnologia da informação para ajudar na gestão da página na internet. "Ele ajuda nas gravações dos vídeos, na edição do conteúdo que vai para o YouTube e virou até a interface entre mim e as empresas que buscam parceria com o Acorda, bonita", explica Karina.

Mesmo que o mercado de cabelos naturais perca um pouco de fôlego num futuro próximo, Karina estima que a onda dos cachos veio para ficar. "A indústria se reinventa constantemente. No fundo, a tendência dos cabelos crespos faz parte de um nicho maior, o slow beauty, um conceito que trata do consumo consciente. As pessoas começam a questionar a qualidade e segurança daquilo que passam pela pele, pelos cabelos, pois há uma preocupação maior com a saúde", explica. A busca pelo cabelo natural, portanto, não é apenas uma tendência no campo da estética e da moda, mas sim uma mudança de hábito, que tem na qualidade de vida seu principal alvo.

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