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Editoriais
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Golpe no Estado, vazio de Governo

A declaração de independência não é um problema de Rajoy, mas da Espanha

Mariano Rajoy, nesta terça-feira, durante pronunciamento depoisdo anúncio da pretensão de se criar o Estado catalão.
Mariano Rajoy, nesta terça-feira, durante pronunciamento depoisdo anúncio da pretensão de se criar o Estado catalão.EFE

Não é possível conceder credibilidade nem confiança alguma àqueles que pretendem abolir a vigência da Constituição e das leis na Catalunha e se consideram autorizados a realizar o “desligamento democrático” do Estado espanhol em nome de uma maioria parlamentar que representa uma minoria dos votos catalães. A grave obstinação da Convergência Democrática da Catalunha e da Esquerda Republicana contra a legalidade é ainda mais preocupante depois de se colocar a serviço da Candidatura de Unidade Popular (CUP), à qual oferecem começar as novas leis catalãs no prazo de 30 dias. Claramente, dão como garantida a complicada posse de Artur Mas, deslocando assim o que foi a liderança do nacionalismo catalão para o extremismo de esquerda reivindicado pela CUP.

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A provocação mostra que os líderes separatistas têm um plano: quanto pior, melhor. Qual é o plano do chefe de Governo? Não existe explicação alguma para a passividade absoluta com que Mariano Rajoy assistiu a aplicação da estratégia independentista, sem expor outra ideia a não ser o simples expediente de chamar os advogados do Estado para que façam algo a cada novidade criada pelo rupturismo.

Rajoy colheu um fracasso retumbante nas três aparições frente à mídia depois da dissolução do Parlamento. É inconcebível que o principal responsável do Executivo não tenha explicado qualquer plano para a Catalunha nem tenha convocado os líderes dos principais partidos no momento mais agudo da crise institucional criada pela enésima – mas nada surpreendente – iniciativa dos soberanistas, adubada pelo uso de técnicas de agit-prop. Fiel à sua ideia de esticar ao máximo a legislatura, Rajoy facilitou que o início da nova legislatura do Parlamento catalão coincida com a dispersão inerente à dissolução do Parlamento nacional.

A obstinação da CDC e da ER contra a legalidade é ainda mais preocupante depois de se colocar a serviço da CUP

O primeiro-ministro afirma sem rodeios que a declaração de independência não terá nenhum efeito, e nos deixa completamente no escuro sobre como pretende conseguir isso. Não sabemos se pretende criminalizar quem propõem essa declaração, recorrer de novo ao Tribunal Constitucional ou entrar no caminho da suspensão da autonomia catalã, o que afetaria toda uma comunidade, em vez de dirigir-se contra os responsáveis concretos; um caminho perigoso, que sabemos como pode começar, mas não como termina. Também não temos notícia de que o primeiro-ministro tenha tentado reunir as forças políticas e sociais, por exemplo, com o líder do principal partido da oposição, Pedro Sánchez, nem com Albert Rivera, que dirige o partido mais votado da oposição na Catalunha. Foi Sánchez que teve de ligar para Rajoy nesta terça-feira para perguntar o que ele planejava fazer com a proposta de independência. O primeiro-ministro telefonou para Rivera quando faltavam alguns minutos para ler sua declaração à imprensa, após um longo período de falta de comunicação entre eles.

Rajoy recorreu na terça a outro conceito perigoso, deslizando a ideia de que os independentistas não terão sucesso enquanto ele for presidente. Mostra assim suas cartas de candidato que tenta aproveitar o novo desafio soberanista para se envolver na bandeira de único defensor da lei. Mas a crise constitucional aberta não é um problema de Rajoy, nem do PP, mas dos espanhóis: e o primeiro-ministro que nos representa, ainda em funções, não pode se considerar o único capaz de lidar com esta questão. É preciso se elevar acima da conjuntura eleitoral e dar sinais de que quer construir as pontes suficientes para assegurar um amplo apoio às medidas necessárias.

A paralisia do Governo é irresponsável no meio da pior crise institucional de Espanha

Não é desculpa que os independentistas pretendam desviar a atenção das investigações pela corrupção do 3% nem as do clã Pujol, com golpes de efeitos dramáticos, como encomendar ao “futuro Governo” catalão ignorar as leis espanholas e se limite “apenas” às regras ou mandatos da Câmara catalã. Mas as decisões de um punhado de líderes separatistas não podem ser respondidas assim, nem se pode permitir que os fatos consumados continuem impondo sua lógica alarmante e sinistra, como ficou evidenciado na tentativa de iniciar a legislatura catalã ignorando a legalidade democrática.

Este golpe de Estado nunca deveria ter ocorrido, nem essa fraca reação de quem representa o Estado. Os catalães não têm nada a ganhar, nem a totalidade dos espanhóis, com o distanciamento mútuo. Por isso é irresponsável a paralisia e o enorme vazio de Governo que Rajoy deixa no momento da pior crise institucional que a Espanha vive desde a restauração da democracia.

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