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Comediante Jimmy Morales é eleito presidente da Guatemala

Humorista, conservador e religioso, vence com 68,5% dos votos É a vitória da antipolítica e do descontentamento no país

Jan Martínez Ahrens
O comediante Jimmy Morales, neste domingo na Guatemala.
O comediante Jimmy Morales, neste domingo na Guatemala.Saul Martinez (Bloomberg)

A Guatemala se decidiu pela antipolítica. O comediante Jimmy Morales, de 46 anos, foi eleito presidente. Sua vitória não deixa dúvida. Com 69% dos votos a seu favor (com 96% das urnas apuradas), a nação levou a sério o humorista de piada fácil, conservador e profundamente religioso, e o encarregou de uma missão que poucos acreditam ser capaz de realizar: devolver a credibilidade ao Estado guatemalteco. Um ninho de corrupção a cuja chefia Morales chega levado pela onda de descontentamento que derrubou seu antecessor, o general Otto Pérez Molina. “Agora sou parte do sistema político, mas mantenho minha desconformidade”, proclamou o presidente eleito.

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A eleição de Morales é uma vitória em negativo. Mais que um sucesso dele, sua vitória representa o fracasso da velha política. A esclerose de um sistema que ficou muito atrás de sua sociedade. Morales, consciente disso, focou sua campanha em um apelo ao voto de punição. Extraiu força de suas aparentes debilidades, como a falta de experiência política, e adotou um lema (Nem corrupto, nem ladrão) que lhe abriu espaço à direita e à esquerda do eleitorado. O resultado foi demolidor. Nenhum dos figurões do panteão guatemalteco foi capaz de fazer frente a ele. E sua adversária no segundo turno, a ex-primeira dama Sandra Torres, de inspiração social-democrata, ficou em 31% dos votos (com 96% apurados).

Esse sucesso é apenas um primeiro passo. Além da votação, Morales, por sua própria gênese, carece de uma estrutura de poder estável. Está sozinho e seu partido é frágil no Parlamento, onde dispõe de apenas 7% dos assentos. Ninguém duvida que os grandes dinossauros tentarão persegui-lo da Câmara dos Deputados. O escudo presidencial, de enorme resistência na Guatemala, talvez lhe sirva para superar esses ataques, mas seus problemas não acabarão aí.

Além da votação, Morales, por sua própria gênese, carece de uma estrutura de poder estável

O fulgurante Morales assume um país exausto. Vence sem ter emocionado, no segundo turno e com a desconfiança esperando por ele a cada passo. Depois de 30 anos de processo democratizador, a Guatemala ainda não gerou um jogo de equilíbrios forte o suficiente para ventilar a podridão que se aninha nos mecanismos do poder. Nem mesmo a revolução da dignidade pôde contra esse muro. O movimento popular, espontâneo e plural, teve sucesso, varreu o presidente anterior e até deu à luz uma esperança, mas não engendrou uma resposta política própria. Vítima de sua própria acefalia, sua força acabou se diluindo e seus ativos foram tomados apressadamente por Morales. Uma personalidade poliédrica de que desconfiam os organizadores dos protestos e cujos pontos obscuros são motivo de suspeita. Do apoio dos setores militares até sua ideologia conservadora e ultranacionalista.

O desafio é complexo. Morales precisa enfrentar a nomenklatura, mas também o ceticismo sobre suas próprias capacidades. Precisa demonstrar que não é um arrivista, mas um independente. Que sua ideologia não é um entrave, mas um incentivo à mudança. “A Guatemala está mudando de forma pacífica, sem balas, somente com participação, e devemos continuar assim. O mundo está olhando para nós e temos de demonstrar que somos um país de gente honesta. Não haverá tolerância com a corrupção”, afirmou Morales ao saber de sua vitória.

Ninguém duvida que os grandes dinossauros tentarão persegui-lo na Câmara de Deputados

Não é uma missão fácil. O Estado que assumirá em 14 de janeiro está afundando. O presidente Pérez Molina, o general que chegou ao poder com a missão de reconciliar a Guatemala, dedicou-se com afinco à pilhagem. Em um país com metade da população infantil desnutrida, corrompeu o erário público, fez a dívida disparar e impôs a excepcionalidade nas contratações oficiais. Sob esse regime, as redes clientelares viveram dias de bonança. A prisão de Pérez Molina e de sua vice-presidenta por causa de um escândalo de corrupção decapitou a principal gárgula da trama, mas a depuração final ainda está por fazer. E o novo presidente não pode adiá-la. Ali fora, nas ruas, o relógio corre contra ele. O país vive em pleno século XXI e a qualquer momento, como recordava no domingo qualquer eleitor a quem se perguntasse, pode irromper outra onda de protestos. Um erro grave tornaria Morales indistinguível do sistema que ele tanto criticou. A Guatemala voltaria outra vez ao ponto de partida. O passado teria triunfado.

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