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Rio de Janeiro enfrenta seus fantasmas sobre a qualidade da água

OMS cobra mais testes na Baía de Guanabara e crise hídrica reduz abastecimento

María Martín
Em fevereiro de 2015, milhares de peixes foram achados mortos na Baia de Guanabara.
Em fevereiro de 2015, milhares de peixes foram achados mortos na Baia de Guanabara. Leo Correa (AP)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um comunicado na última semana recomendando às autoridades olímpicas que intensifiquem os controles de qualidade da água na Baía de Guanabara, na praia de Copacabana e na Lagoa Rodrigo Freitas, cenários de competições aquáticas nos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro. A entidade cobrou um aumento dos exames bacteriológicos para identificar possíveis riscos à saúde dos atletas associados ao contato com fezes. A Baía de Guanabara, analisada hoje uma vez por mês, é há anos o destino final de esgotos domésticos de 16 municípios do Rio, despejos industriais e óleo procedente do Porto e de estaleiros. Enquanto a promessa descumprida do Governo estadual de limpar suas águas para as Olimpíadas já consumiu 10 bilhões de reais, o Rio de Janeiro ainda trata apenas 32% do seu esgoto, menos que a média nacional, segundo o Instituto Trata Brasil.

A OMS dispensou os comitês organizadores de realizar testes de vírus na água. Esse tipo de provas é alvo de polêmica pois as autoridades brasileiras responsáveis pela qualidade do insumo e a organização dos Jogos não os consideram obrigatórios, embora especialistas insistam na necessidade de realizá-los e de despoluir o quanto antes a Baía. “Eu e outros dois cientistas fomos chamados pelo COI para dar nosso parecer e entregamos um relatório onde demonstramos a necessidade de fazer uma avaliação dos vírus na Baía e na Lagoa, mesmo não sendo obrigatório por protocolo. Esses vírus podem entrar no sistema respiratório e podem ter consequências sérias para a saúde dos atletas. É fundamental que esses testes sejam feitos, sim”, explica o professor Jose Galizia Tundisi, um dos principais especialistas em recursos hídricos do Brasil.

Segundo um recente estudo realizado por Fernando Spilki, virologista e coordenador do programa de qualidade ambiental da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, vírus causadores de doenças estão presentes nas águas recreativas cariocas em níveis até 1,7 milhão de vezes acima do que seria considerado alarmante em praias no sul da Califórnia, EUA.

Para além da corrida olímpica, a qualidade da água no Rio preocupa diante do agravamento da crise hídrica no Estado, que mantém seus reservatórios em níveis mínimos de operação –o maior deles, o de Paraibuna, opera com 1% do seu volume útil. A Agência Nacional de Águas (ANA), dependente do Governo federal, cobrou em junho de 2015 um aumento do monitoramento da qualidade na Bacia do Paraíba do Sul, responsável pelo abastecimento do Rio e alguns municípios de São Paulo, para não colocar em risco a saúde dos consumidores. A queda da vazão nos rios e reservatórios aumenta a concentração de poluentes na água. Um mês atrás, análises da Universidade Federal de Rio de Janeiro revelaram que o reservatório de Funil – que opera com 15,4% do seu volume útil – apresenta índices de bactérias tóxicas 25 vezes superiores aos recomendados pela OMS. "Essa água pode se tornar impossível de ser tratada. É puro esgoto concentrado", disse em reportagem do O Globo a responsável pelo estudo, Sandra Azevedo, diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. O problema se agravará se a seca se prolongar porque enquanto o volume de água cai o lançamento de esgoto deve se manter.

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Apesar de ser um problema que castiga São Paulo há quase dois anos, a falta de água não parece ser uma preocupação dos cariocas, que consomem mais de 237 litros por habitante por dia (os paulistas reduziram o consumo até 160 litros por dia com a crise), mas alguns sinais mostram que esse quadro pode mudar. A turística Angra dos Reis, na Costa Verde, decretou na semana passada estado de emergência hídrica e proibiu o uso de água para lavar carros, calçadas, encher ou esvaziar piscinas... Por primeira vez em 76 anos, o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em Teresópolis, fechou suas portas por falta de água. Sem abastecimento no centro de visitantes e na piscina natural, a diretoria achou melhor não receber visitantes.

A água também faltou na última semana em vários municípios da região metropolitana do Rio, em Niterói, e na Ilha de Paquetá, transformada em Área de Preservação do Ambiente Cultural, e cujos 4.500 moradores ficaram mais de nove dias com cortes no abastecimento. A companhia de água e esgoto carioca, a Cedae, afirma a água está garantida na capital, onde há cerca de 11 milhões de consumidores abastecidos pelo Sistema Guandu que, “mesmo no auge da estiagem continuou funcionando normalmente”. A companhia estatal também garante que não faltará água durante os Jogos em 2016, mesmo porque as instalações olímpicas contarão com enormes cisternas diante a imprevisibilidade das chuvas do verão e com os fantasmas da crise hídrica de São Paulo bem presentes. Com esse mesmo temor, a Agência da Bacia do Rio Paraíba do Sul acaba de assinar um contrato para, como na Cantareira, bombear o volume morto do reservatório de Paraibuna, à beira de esgotar seu volume útil nos próximos dias.

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