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Futebol, a outra grande indústria exportadora da Argentina

País é o que mais jogadores tem no exterior, e Rosário, cidade de Messi, seu maior celeiro

Alunos da escola de futebol Renato Cesarini, durante um treino.
Alunos da escola de futebol Renato Cesarini, durante um treino.ricardo ceppi

O vento frio do meio da tarde castiga o rosto, mas nenhum dos 150 meninos de calção e camiseta de futebol move um músculo no clube Renato Cesarini, nos arredores de Rosário. Todos suportam estoicamente uma baita bronca. “Não dá para faltar tanto! Se querem ser jogadores de futebol, têm que vir jogar quatro vezes por semana! Aqui estão 150, e faltam 100!”, esbraveja Jorge Solari, “El Indio”, tio de Santiago e de Fernando Redondo. Tem 73 anos, e 40 anos atrás foi um dos fundadores do Renato Cesarini, que forma jogadores de 11 a 18 anos, depois de uma carreira como atacante que o levou ao River Plate e à Copa da Inglaterra, em 1966. Como técnico, foi campeão argentino pelo Independiente, treinou Tenerife e conseguiu que a Arábia Saudita chegasse às oitavas de final nos EUA em 1994.

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Em Rosário, a cidade de Lionel Messi, respira-se futebol por todo lado. Na Argentina ele não é apenas um esporte. É uma verdadeira indústria, que torna alguns ricos, oferece trabalho a muitos outros, permite que os atravessadores façam fortunas e tem papel essencial na política local. Rosário, coração do pampa úmido, não exporta somente grãos, carne, aço, carros Chevrolet e equipamentos agrícolas produzidos em seu território. É também um dos principais polos que fazem da Argentina o maior exportador de jogadores de futebol do mundo.

Jogam fora de seu país 4.765 argentinos, mais do que os 3.240 brasileiros, segundo a empresa de consultoria Euroamericas Sport Marketing. E Rosário fornece alguns dos maiores destaques. Não é um fenômeno novo. Esta indústria de exportação de talentos começou em 1925, quando o rosariense Julio Libonatti se tornou o primeiro da América a assinar contrato na Europa, comprado pelo Torino.

Placa em homenagem ao jogador Leonel Messi no Passeio dos Olímpicos, Avenida Pellegrini em Rosario.
Placa em homenagem ao jogador Leonel Messi no Passeio dos Olímpicos, Avenida Pellegrini em Rosario.Ricardo Ceppi

Um quarto da seleção

Na Copa do Brasil 2014, seis dos 23 alvicelestes que se consagraram vice-campeões mundiais eram de Rosário e sua periferia: Messi, Ángel Di María, Ezequiel Lavezzi, Javier Mascherano, Ezequiel Garay e Maxi Rodríguez. Ou seja, 26% dos escalados eram dessa região, que abriga 3% da população argentina. Qual o motivo dessa super-representação?

Parte da explicação está nos 52 campos de futebol na periferia da cidade do Renato Cesarini, especializado em formar jovens. Nele surgiram Mascherano, Roberto Sensini, Santiago Solari e Martín Demichelis. “Alguém não pode vir quatro vezes por semana?”, Solari pergunta às crianças e adolescentes. Dois ou três levantam a mão e explicam que vão à escola de manhã e à tarde. “Fale com sua mãe para sair dessa escola e ir só meio período [o normal na Argentina]. Ou estudam e são os melhores na carreira que seguirem ou jogam futebol para serem os melhores. O individual pode ser praticado em casa, mas falta muito a vocês o coletivo, e isso se aprende aqui. Vocês vão 6 horas à escola e têm 18 horas para jogar futebol. Vinha aqui o [Jorge] Sampaoli, o técnico do Chile, e fazia 70 quilômetros na ida e 70 na volta. A sorte tem que ser buscada. Sabem quanto ganha um jogador?”, diz Solari, encerrando o sermão de meia hora. Os números ditos pelos ajudantes de Solari fazem brilhar o rosto dos adolescentes. Os jovens olham para Solari entre assustados e desafiadores, alguns com meias do Newell’s Old Boys e do Rosario Central, os dois clubes que dividem ao extremo a paixão dos moradores de Rosário.

DT Carlos Índio Solari fala com os alunos de futebol da escola Renato Cesarini, em Rosario.
DT Carlos Índio Solari fala com os alunos de futebol da escola Renato Cesarini, em Rosario.Ricardo Ceppi

Mais tarde, sentado a uma mesa ao lado dos campos, Solari dá sua receita: “O mais importante é selecionar. Depois, ter bons campos. Terceiro, ensinar”. Também explica o fenômeno do futebol rosariense como central exportadora: “Esta região é formidável. Há um campeonato infantil com 40.000 crianças jogando. Há 4 ou 5 ligas de futebol de salão para meninos de 5 a 11 anos. Em cada bairro, os baixinhos jogam em seus campos, mesmo que haja cada vez menos terrenos livres, porque constroem hospitais, delegacias, escolas… Além disso, há bom ensino. Começou com [Carlos Timoteo] Griguol, [José] Yudica e [Jorge] Griffa, que foram buscar crianças nos povoados 50 quilômetros em volta, nos quais sempre há dois clubes rivais. Daqui saíram técnicos como [César Luis] Menotti, [Gerardo] Martino, Sampaoli, [Marcelo] Bielsa”.

Uma verdadeira potência industrial, que parece mais viva que nunca e que acaba de exibir uma nova joia: Ángel Correa, agora no Atlético de Madrid.

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