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A MEMÓRIA DO SABOR
Coluna
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Alta cozinha na floresta amazônica

O mercado de alimentos de luxo traça novos caminhos com base no compromisso social e na valorização das raízes

O chef peruano Virgilio Martínez.
O chef peruano Virgilio Martínez.RICHARD HIRANO (AP)

Origens é o nome que emoldura a aventura que começam a viver três cozinheiros latinos instalados em ambos os lados do Atlântico. De um lado, o mexicano Jorge Vallejo, responsável pela sorte do Quintonil, na Cidade do México, e o peruano Virgilio Martínez, faz-tudo do Central, em Lima. Do outro, o argentino Mauro Colagreco, titular na cozinha do Mirazur, em plena Costa Azul. Eu os acompanho em seus primeiros passos em Iucatã, ao encontro com a cozinha da comunidade Yaxunah. Trata-se de se aproximar de sua cultura culinária, aprender com ela e criar vínculos que possam estimular o desenvolvimento da pequena comunidade maia, ajudando-a a fortalecer suas raízes. Eles estão dando os primeiros passos e, aparentemente, nos três dias que passamos juntos, vale a pena acompanhá-los de perto.

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Não é algo novo. Isso já é feito por outros cozinheiros neste continente que abre caminhos diferentes para suas cozinhas. O panamenho Mario Castrellón trabalha há algum tempo com as comunidades indígenas da floresta de Darien, no sul do país, e a de Bocas del Toro, na fronteira com a Costa Rica. O mesmo fazem, entre outros, o peruano Pedro Miguel Schiaffino na floresta amazônica, ou os criadores da rede do Gustu, Kamilla Seidler e Michelangelo Cestari, em boa parte da Bolívia.

Em pouco mais de um mês, acompanharei um grupo de cozinheiros latino-americanos em um percurso de alguns dias de barco pelo rio Amazonas. O grupo também inclui biólogos e especialistas em desenvolvimento de novos modelos de negócio. É uma experiência dupla. Por um lado, se aproximar dos produtos que definem a natureza de uma das maiores despensas da Terra e também uma das menos conhecidas. O objetivo é aprender a conhecê-los enquanto trocam técnicas e conhecimentos. Em segundo lugar, falar e debater para combinar experiências, tecer uma rede de colaboração e estabelecer as bases que permitam começar a mapear a despensa amazônica, vinculada às comunidades nativas que a tornam possível. Um objetivo tão ambicioso como fascinante.

No total, pode haver cerca de duas dúzias de profissionais de cozinha trabalhando em direções semelhantes em toda a América Latina. Não são muitos, mas eles têm mais importância do que parece. São o ponto de partida de um movimento chamado a criar novos modelos de desenvolvimento e acabarão alimentando o paradoxo: a alta cozinha como um instrumento de desenvolvimento sustentável. Para as comunidades nativas e para a floresta amazônica, por enquanto. O eixo comum de quase todas essas propostas é a descoberta dos produtos menos conhecidos da despensa amazônica e sua valorização, incorporando-os aos circuitos gerados em torno da alta cozinha.

A floresta amazônica perde terreno constantemente, um processo que também afeta, e muito, os seus habitantes. Somente no Peru, a perda de massa florestal foi estimada no ano passado em cerca de 1,5 milhão de hectares, de acordo com dados da Red Amazónica de Información Socioambiental Georeferenciada (RAISG). A quarta parte corresponde aos territórios registrados em nome de alguma das 2006 comunidades nativas recenseadas na Amazônia peruana, detentoras de quase 15 milhões de hectares. A exploração madeireira e a mineração ilegal, de um lado, e o desmatamento indiscriminado para o estabelecimento de monoculturas de outro, ameaçam tanto a floresta como a sobrevivência de muitas comunidades e várias outras culturas.

A alta cozinha é apresentada como um aliado indispensável para afrontar qualquer uma dessas tarefas. O mercado de alimentos de luxo traça novos caminhos com base no compromisso social, na valorização das raízes e do produto. O contexto confere ao pequeno agricultor um papel importante na equação culinária.

O minifúndio e as pequenas produções sustentáveis são, nesse contexto, a alternativa à monocultura, ao esgotamento do solo, à perda de identidade e ao desmatamento. As novas gerações de cozinheiros traçam um modelo baseado no trabalho do pequeno agricultor. Buscam a valorização de suas produções, incorporando-as à alta cozinha para fortalecer sua posição no mercado. Eles veem isso como o caminho para aumentar a cotação do produto, aumentar a produção e estimular o desenvolvimento de pequenas indústrias de transformação. Um futuro diferente.

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