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Análise
Exposição educativa de ideias, suposições ou hipóteses, baseada em fatos comprovados (que não precisam ser estritamente atualidades) referidos no texto. Se excluem os juízos de valor e o texto se aproxima a um artigo de opinião, sem julgar ou fazer previsões, simplesmente formulando hipóteses, dando explicações justificadas e reunindo vários dados

Velhas lições da Europa

Merkel e Hollande recuperam princípios que a UE deveria ter aprendido muito tempo atrás

Guillermo Altares
Merkel e Hollande, na quarta-feira em Estrasburgo.
Merkel e Hollande, na quarta-feira em Estrasburgo.PATRICK HERTZOG (AFP)

O cenário escolhido por François Hollande e Angela Merkel para pronunciar na quarta-feira um discurso conjunto não poderia ser mais simbólico. Estrasburgo, a cidade que abriga a Eurocâmara e o Conselho da Europa, representa um dos símbolos da paz na Europa. Seu centro histórico, com seus plácidos canais, suas praças impecáveis e as ruas com nomes em alemão e francês, encarna tudo o que a Europa quis construir desde o final da Segunda Guerra Mundial – sua periferia, entre as mais problemáticas da França com recordes de carros queimados a cada ano, também reflete tudo o que não conquistou no terreno da igualdade e da integração –.

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Durante muitos anos, entretanto, Estrasburgo foi exatamente o contrário: como capital da Alsácia, uma das províncias que com a Lorena foram disputadas pelas duas potências europeias durante grande parte de sua história moderna, era algo parecido a Beirute ou Sarajevo, uma cidade identificada com a violência e a separação de comunidades. A guerra de 1870, na qual tropas prussianas assediaram Paris – seus habitantes comeram todos os animais do zoológico e todos os ratos, gatos e qualquer outra criatura com patas –, a Primeira Guerra Mundial, a Segunda: não é preciso recordar até que ponto o confronto franco-alemão marcou a existência do continente. Estrasburgo era uma cidade de refugiados e de fugas massivas, rota pela guerra e pela história.

Cada imagem solene de um presidente francês e um chanceler alemão tem um alto valor simbólico. Em 1989, dois gigantes da construção europeia, Helmut Kohl e François Mitterrand, também pronunciaram discursos na Eurocâmara. Era um momento de enorme esperança: o Muro de Berlim tinha acabado de cair e a reunificação da Alemanha parecia fechar para sempre os estragos da Guerra Fria. Cinco anos antes, uma nova imagem também parecia encerrar outra época de horror: Kohl e Mitterrand estiveram juntos, de mãos dadas, no monumento às vítimas da batalha de Verdun, a pior da Primeira Guerra Mundial. Em dez meses morreram mais de 700.000 soldados de ambos os lados e esses campos do norte da França continuam expurgando mortos e munição sem explodir e ainda estão envenenados pela quantidade de gases utilizados no conflito. Setenta anos depois, era comemorada a amizade entre os dois países em meio à certeza de que nada parecido voltaria a acontecer.

Esse novo encontro, entretanto, ocorreu em um clima muito diferente. É certo que é impossível de imaginar outra Verdun na Europa, mas a Síria sofre a cada dia com batalhas igualmente cruentas, nas quais também foram utilizados gases tóxicos. E essa guerra tem efeitos diretos na UE: o sofrimento do Oriente Médio chega a cada dia em suas fronteiras. Hollande e Merkel lembraram que não podemos ser alheios a nenhum horror e que somente uma Europa unida e solidária pode enfrentar problemas tão profundos e complexos como a crise dos refugiados. Mas é uma lição que o continente no qual estão Estrasburgo e Verdun deveria ter aprendido muito tempo atrás sem que fosse preciso relembrá-la.

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