_
_
_
_
_

Pobreza, corrupção e ausência de Scioli marcam debate na Argentina

Opositores criticaram a ausência de Scioli e sua "falta de respeito"

Carlos E. Cué
Os participantes no debate presidencial argentino.
Os participantes no debate presidencial argentino.Agustin Marcarian (AP)

Daniel Scioli, candidato favorito para vencer a eleição na Argentina no próximo dia 25, estava convencido de que seria mais arriscado participar do que não participar do primeiro debate presidencial da história do país. Sua ausência marcou as mais de duas horas de um debate histórico entre os demais cinco candidatos, que aproveitaram a oportunidade para atacar seguidamente o “fantasma” de Scioli, enquanto as câmaras exibiam o seu púlpito vazio. Sergio Massa, um dos candidatos mais fortes, usou um truque para enfatizar ainda mais a ausência de Scioli: deixou que um silêncio ocupasse 20 segundos, como forma de protesto contra a ausência do candidato do governo, e o impacto desse longo e inabitual vazio em uma programação de televisão acabou por causar mais prejuízos a Scioli do que qualquer crítica explícita. A Argentina continua a ser o único país grande da América Latina que não tem debates presidenciais regulares, e este, sendo o primeiro e o único previsto, significou, apesar da ausência importante de Scioli, um marco histórico.

Mais informações
Crise do Brasil pressiona Argentina em plena campanha eleitoral
Lula defende que o kirchnerismo “mudou a história da Argentina”
Argentina julga o kirchnerismo, 12 anos depois de sair do caos
Investidores estão céticos diante da mudança política na Argentina
Campanha argentina se define em duas frentes claras
O Estado é Ela

O kirchnerismo havia escolhido o próprio debate, cujos temas principais foram a pobreza e a corrupção, como o inimigo a ser vencido, e essa veto chegou a tal ponto que, enquanto a ONG “Argentina debate” mostrava gratuitamente o primeiro grande debate argentino da história, o canal oficial de televisão não só não o fez como colocou no mesmo horário a transmissão de um jogo de futebol entre Independiente e River Plate.

Do ponto de vista do governo, tudo estava planejado para sufocar o encontro e lhe retirar toda importância. Mas esse projeto fracassou. Segundo os primeiros levantamentos de audiência, o debate teve mais espectadores do que o jogo de futebol, além de um grande acompanhamento pelo Twitter. Entre os próximos de Scioli, há a convicção de que a história se repetirá, e que tudo ocorrerá como em 1989. Naquele ano, a ausência de Carlos Menem em uma tentativa de debate com Eduardo Angeloz, candidato radical, gerou um grande escândalo. Mas Menem ganhou as eleições, e Angeloz desapareceu da cena política.

Diante da impossibilidade de debater com o verdadeiro concorrente, que é o candidato governista, os outros cinco participantes utilizaram um tom particularmente simpático uns para com os outros, em especial Mauricio Macri e Sergio Massa, os dois principais concorrentes da oposição. O momento crucial aconteceu há alguns meses, quando Macri decidiu não se juntar a Massa. Hoje, ambos disputam os mesmos eleitores, e, caso Massa se mantenha na mesma posição, Macri poderá não chegar a 30%, o que permitiria a Scioli vencer já no primeiro turno –ele precisaria de 40% dos votos, com 10 pontos percentuais à frente do segundo colocado.

A Argentina continua a ser o único país grande da América Latina que não tem debates presidenciais regulares

Esses dois candidatos da oposição se trataram com luvas de pelica até o final do debate, quando Massa evocou o fato de que a família de Macri, em especial seu pai, um dos empresários mais ricos do país, vivera à custa de contratos públicos, ao que o prefeito de Buenos Aires retrucou: “Você poderia nos poupar desse golpe, que acaba por nos fazer lembrar dos seus 10 anos de kirchnerismo”, dando-lhe uma alfinetada, já que Massa foi secretário de Governo dos Kirchner antes de romper com eles. Esse foi o único momento tenso de um debate morno, sem réplicas, sem interrupções, muito tranquilo, o que chamou ainda mais a atenção para a decisão de Scioli de não participar, contradizendo o argumento de sua equipe segundo o qual o seu não comparecimento se devia ao fato de se temer um encontro muito violento marcado por tentativas de desqualificação e sem utilidade para o público.

Os temas principais do debate foram bem diferentes daqueles que vinham dominando a campanha. Enquanto o Governo insiste em enfatizar a boa situação econômica da Argentina e os avanços obtidos ao longo dos 12 anos de kirchnerismo, os candidatos centraram seus discursos em outros assuntos: a pobreza, o tráfico de drogas, a corrupção, a segurança pública, a crise na educação. Na ausência de Scioli, Macri acabou por se tornar o foco das críticas dos candidatos da esquerda, Margarita Stolbizer (Progressistas) e Nicolás del Caño (Frente de Esquerda). Enquanto Stolbizer, uma deputada respeitada que “vive na mesma casa há 20 anos” e que acusou a presidente Cristina Fernández de Kirchner de corrupção, se centrava nas denúncias existentes contra alguns membros do grupo de Macri e defendia uma atuação forte do Estado, Del Caño propunha “estatizar as terras dos 4.000 latifundiários que são donos de metade das terras na Argentina, além do gás e do petróleo”.

Macri, que era o que mais teria a perder em um debate em que se encontrava em igualdade de condições com candidatos com votação bem menor que a sua, aproveitou para tentar amenizar sua imagem de membro da elite empresarial e se dirigir às classes menos favorecidas, entre as quase esse representante da direita argentina tem menos penetração: “Meu compromisso é com uma Argentina com pobreza zero, que cuida daqueles que têm mais necessidade, daqueles que esperam mais educação nas pequenas cidades”.

Scioli nem sequer assistiu ao debate, estando na mesma hora em um show de rock no Luna Park

Cada um dos candidatos focou em suas prioridades, com Massa enfatizando um posicionamento duro em relação a questões de segurança pública, destacando a promessa de levar o Exército até os bairros pobres para combater o tráfico de drogas, mas, no fundo, ficou uma sensação de que a oposição, em especial Macri e Massa, adotaram uma espécie de pacto de não-agressão com o objetivo de evitar a vitória de Scioli no primeiro turno.

Apesar disso, os kirchneristas estão convencidos de que a questão do debate afeta apenas uma pequena parcela da sociedade mais interessada em política, sendo irrelevante para a grande massa da população. Talvez seja por isso que Scioli nem sequer assistiu ao debate, estando na mesma hora em um show de rock no Luna Park, a sala de concertos mais famosa de Buenos Aires. Sua tranquilidade parece ser total.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_