_
_
_
_
_

Em busca do primeiro presidente dos Estados Unidos hispânico

Comunidade latina dos Estados Unidos ainda precisa demonstrar toda sua força política

Silvia Ayuso
Placa eleitoral bilíngue nos Estados Unidos.
Placa eleitoral bilíngue nos Estados Unidos.AP

A demografia só não basta. Com mais de 54 milhões de pessoas, a comunidade hispânica talvez já seja a maior minoria dos Estados Unidos, a que cresce mais rápido e, com uma média de 27 anos, também a mais jovem, o que quer dizer que tem um enorme potencial de votos nos próximos anos e décadas. Mas de pouco serve toda essa potência demográfica se não se traduz em força política, alerta Cristóbal Alex, presidente do Latino Victory Project, uma organização que ajuda os latinos a ganhar eleições tanto locais como nacionais em todo o país.

Até 27 milhões de hispânicos poderão potencialmente exercer o voto nas eleições presidenciais de 2016, segundo Mark Hugo López, do Pew Hispanic Center. A chave está nesse “potencialmente”, porque nem todos os que podem votar dão os passos necessários para fazê-lo. Embora os especialistas destaquem as eleições de 2012 como um marco na participação hispânica, essa comunidade, apesar de representar 17,1 % do total, só constituiu 10% do total de eleitores.

Mais informações
Latinos já são o maior grupo populacional da Califórnia
Obama: “A imigração é o que nos define como país”
Um de cada quatro hispânicos dos EUA abandonou o catolicismo
Obama enfrenta a decepção hispânica
“Nós latinos ainda estamos em nossa infância política nos Estados Unidos”
Clinton e os hispânicos
Os hispânicos buscam seu lugar na política dos Estados Unidos
“Vamos continuar lutando. É uma vitória incompleta”
EUA se reconciliam com seu passado de nação de imigrantes
O PIB dos ‘sem papéis’ nos EUA

A presença hispânica no panorama político dos Estados Unidos não é menor. Os latinos contam com uma juiz na Suprema Corte, Sonia Sotomayor, e três senadores –dois deles, Ted Cruz e Marco Rubio, candidatos republicanos à presidência– , 28 membros da Câmara de Representantes e vários membros do gabinete do presidente democrata Barack Obama. A eles somam-se 6.000 altos funcionários federais e estaduais em todo o país, incluindo governadores e prefeitos. E o número de hispânicos em cargos influentes e com poder não para de crescer nos Estados Unidos. Mas o verdadeiro potencial político dos hispânicos ainda não se revelou plenamente, segundo os especialistas. E isso depende de quanto se consegue mobilizar a população hispânica, que tem um alto grau de abstenção eleitoral, para que, um, registre-se como eleitor e, dois, compareça efetivamente às urnas em novembro de 2016.

Muitos também se perguntam qual deve ser a meta. O fim último é colocar um hispânico na Casa Branca? Só então se poderá consolidar a influência dessa comunidade? Sim, mas não, responde Cristóbal Alex.

“O único cargo que ainda não conquistamos é o do Salão Oval, e essa deve ser nossa meta em última análise”, pondera. Mas não a qualquer preço, ressalta.

Mais que tacos e palavras em espanhol

A frase com que há mais de uma década se anuncia o iminente advento do poder latino, aquela que diz que “o primeiro presidente hispânico já nasceu”, já ficou obsoleta há muito tempo. Na corrida pela Casa Branca em 2016 já há dois hispânicos, Cruz e Rubio, e um terceiro que gosta de alardear laços latinos, embora seja pela via matrimonial, Jeb Bush. Não são esses, porém, o tipo de candidatos que os ativistas desejariam ver na Casa Branca.

“Eu questiono quão verdadeiramente latinos são esses candidatos republicanos”, afirma Ben Monterroso, diretor executivo de Mi Familia Vota (Minha Família Vota), outra organização que promove a participação cívica da comunidade latina. “Temos de nos assegurar de que os latinos eleitos não sejam latinos só de nome, que não venham à comunidade só para falar em espanhol e comer tacos conosco, mas venham nos escutar, entender e fazer algo por nossa comunidade”, salienta.

Luis Miranda, que foi porta-voz de Obama para assuntos hispânicos durante seu primeiro governo –o primeiro a formalizar esse cargo específico– vai mais longe.

“Não necessitamos um presidente hispânico para ter um presidente hispânico, necessitamos de um presidente que, apesar de ser presidente, também seja hispânico”, sustenta. Dá o exemplo de seu próprio chefe. “Obama não é um presidente negro, é um presidente norte-americano para todos os norte-americanos”.

“Obama chegou por seus méritos. Se Hillary Clinton chegar a ser presidenta, espero que seja não pelo fato de ser mulher, mas pelos méritos que tem. Um presidente ser mulher, afroamericano ou hispânico tem de ser uma coisa secundária e quase irrelevante, o que precisa ser relevante é o mérito pelo qual chegou lá”, concorda Roberto Izurrieta, diretor de Latin American Programs da Universidade George Washington.

Tanto para Izurrieta como para Monterroso e outros especialistas, a chegada de um hispânico à presidência é “questão de tempo”. O que não pode esperar, concordam, é a mobilização eleitoral. Nesse ponto os ativistas hispânicos talvez tenham encontrado, inesperadamente, o aliado mais impensável.

O efeito Donald Trump

Monterroso sorri e quase esfrega as mãos quando alguém pronuncia duas palavras: Donald Trump. Tem sempre presente a Proposta 187. Trata-se da infame proposta do governador republicano da Califórnia, Pete Wilson, que, em 1994, proibiu aos imigrantes sem documentos o acesso à saúde e à educação, entre outras coisas. A iniciativa passou com 60% dos votos, mas rapidamente foi declarada inconstitucional. A oposição a essa lei levou Monterroso –e muitos outros hispânicos– a aderir ao ativismo e marcar a ferro uma ideia que repete sempre que pode: “Aquela primeira votação anti-imigrante do país foi aprovada facilmente porque os latinos não estavam preparados e não se registraram para votar e assim ter poder político. Mas acabou sendo derrotada e mudou a Califórnia para sempre. Até hoje, significa que na Califórnia não são eleitos candidatos anti-imigrantes nem são aprovadas políticas anti-imigrantes”, relembra.

Uma lição que, segundo Cristóbal Alex, convém voltar a recordar duas décadas mais tarde, quando os Estados Unidos vivem “um momento tão crucial como 20 anos atrás”. Os discursos se parecem, diz Monterroso. O californiano está convencido de que os insultos de Trump contra a comunidade hispânica –e a falta de réplicas por parte dos demais candidatos republicanos– provocarão “uma repetição do que os republicanos fizeram em 1994 na Califórnia” e da derrota até hoje nas urnas de qualquer aspirante que entoe um discurso anti-imigrante.

Mas para isso, reconhece, a comunidade latina deve comparecer em massa às urnas no ano que vem. “O que nos espera é um futuro melhor, contanto que participemos. E o potencial está aí, vimos como cada ano (a participação hispânica) foi crescendo, a prova foi em 2012”, onde o voto latino foi crucial na reeleição de Obama, ressalta. “Estou certo de que, em 2016, os latinos é que vão determinar quem irá para a Casa Branca”. Contanto que primeiro eles vão às urnas, para o que muitos devem antes dar o passo de se tornarem cidadãos e, depois, registrarem-se como eleitores. Luis Gutiérrez, congressista democrata e grande impulsionador da reforma migratória, já começou sua própria campanha. “5,4 milhões de latinos estão qualificados a adquirir a cidadania e devem solicitar!”, tuitou no começo do Mês da Herança Hispânica celebrado em todo o país durante os próximos 30 dias.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_