_
_
_
_
_

As línguas que a América do Sul quer salvar

Mais de 400 idiomas, em sua maioria de origem indígena, estão sob ameaça de extinção

Um grupo de crianças indígenas em uma escola em Qemkuket, Paraguai.
Um grupo de crianças indígenas em uma escola em Qemkuket, Paraguai.EFE

No fim do mundo, lá na Patagônia, há uma língua que está a ponto de morrer: o tehuelche. Os falantes que restam, segundo dados da Unesco, podem ser contados nos dedos de uma mão. São palavras, sons, uma cultura inteira que corre o risco de desaparecer. Não é o único caso na região. Existem na América do Sul 420 línguas ameaçadas, de acordo com o Atlas Mundial da Unesco das Línguas em Perigo. A organização calcula que existam entre 8,5 milhões e 11 milhões de pessoas que falam esses idiomas.

Mais informações
Portugal resiste à nova ortografia
Cuba renega o russo pelo inglês
Espanhol terá seu Toefl, e o Brasil vai superar os EUA em locais de exame
As palavras alegres ganham das tristes
Redes sociais para aprender idiomas

Quando uma língua morre, ou “adormece”, como preferem os linguistas, não se apagam apenas as palavras, mas também uma cultura, uma forma de vida, uma maneira de ver o mundo. “Se você perguntar a um membro da comunidade da fala, poderá lhe responder que ela perde sua essência, sua identidade como pessoa e a de um grupo”, afirma Gabriela Pérez, curadora de linguística do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, em Washington. “Perde-se um sistema único de expressão, mas os idiomas, além disso, são veículos para sistemas de crenças, para conhecimentos da flora e fauna, e tudo isso também morre”, diz o linguista Christopher Moseley, editor do Atlas.

O Brasil é o país com maior variedade linguística da região, mas ao mesmo tempo é o que tem mais línguas em perigo: 178. “No Brasil, muitas línguas pequenas sobreviveram até agora pelo pouco contato que tiveram com o mundo exterior, mas agora a ameaça é maior ao serem invadidas pela civilização. Esta é a realidade de outros países, principalmente na região amazônica”, afirma Moseley.

O Brasil é o país com maior variedade linguística da região

Não há uma receita a seguir para salvar uma língua, e esse é um processo que pode durar décadas, afirmam os linguistas. Segundo Pérez, é necessária a intervenção de especialistas para o ensino da linguagem, bem como material pedagógico. “É preciso que haja um grupo de pessoas com várias aptidões e dispostas a se entregarem à tarefa. Uma legislação que proteja e promova o uso de uma língua é importantíssima. O apoio governamental é um dos vários elementos que podem impulsionar um processo de revitalização”, diz. Moseley considera que, para sobreviver, um idioma precisa sair da comunidade e do âmbito dos seus falantes. Ele concorda que a qualidade da documentação e a disponibilidade de materiais para o ensino definem se um idioma pode ou não ser revitalizado. “Sem educação e alfabetização, uma língua não consegue sobreviver em concorrência com línguas que as têm”, explica.

Outro caminho para manter um idioma vivo é seu uso pelas gerações mais jovens, nos círculos sociais e através das novas tecnologias. “Há sinais alentadores de que os jovens em pequenas comunidades estão utilizando seus próprios idiomas, por exemplo, em mensagens de texto”, afirma o editor do Atlas. Essas línguas agonizantes são ajudadas por detalhes como as versões da Wikipedia e de outras fontes de informações num leque cada vez maior de idiomas, inclusive os muito minoritários. “Parte do processo de deslocamento linguístico consiste na redução ou perda de âmbitos onde se pode falar um idioma, e a tecnologia permite abrir espaços nos quais seja possível usar uma língua”, afirma Pérez.

Poucos falantes

O paraujano na Venezuela, o iquito no Peru, o aruá no Brasil, o leco na Bolívia... são línguas que não superam os 40 falantes. Há na América do Sul algumas línguas em maior perigo que outras, algumas com menos falantes, com menos apoio governamental, com menos programas que lutem por sua revitalização. Moseley diz, no entanto, que a América do Sul é uma das regiões do mundo que o deixam mais otimista sobre o futuro das línguas minoritárias. “Em muitos dos países da região os preconceitos dos falantes do espanhol contra quem fala línguas minoritárias diminuiu, mas ainda há um caminho a percorrer”, afirma.

Há no mundo cerca de 6.000 idiomas, sendo que metade deles deverá desaparecer até o final deste século, segundo cálculos da Unesco. O editor do Atlas afirma que a taxa de extinção se desacelerou nos últimos anos, mas continua muito rápida.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_