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As cartas de Pablo Escobar

Jornalista revela em livro sua correspondência com o narcotraficante colombiano

Sally Palomino
Escobar, sua mulher e o filho, em 1991.
Escobar, sua mulher e o filho, em 1991.HO (AFP)

Encontrou-a junto ao seu guarda-roupas lendo as cartas. “Quem escreveu isso foi esse mesmo Pablo Escobar?”, perguntou-lhe a filha. Com apenas 12 anos, ela não conseguia acreditar que quem assinava aquelas cartas dirigidas a sua mãe era o mesmo homem sobre o qual ouvira falar tantos horrores. A menina era María José e sua mãe é Silvia Hoyos, a jornalista que, no início dos anos noventa, trocou cartas com o narcotraficante colombiano e que, como a filha, deparou-se, por meio do que ele escrevia, com um “Escobar totalmente diferente”.

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A correspondência permaneceu guardada — antes e depois de ter sido descoberta pela filha — em um envelope de papel pardo dentro de uma gaveta. Agora, 24 anos depois de as cartas do mais temido dos traficantes terem chegado às suas mãos, Hoyos as traz à luz e explica, no livro "Los días del dragón” (Semana Libros) [Os dias do dragão], a sua troca epistolar com Escobar, antes da fuga deste da prisão La Catedral, em Antioquia, noroeste da Colômbia. Hoyos admite que não sabe por que o homem sobre o qual recaíam todas as atenções de seu país respondeu à sua primeira carta, com a qual pretendia abrir uma porta a fim de saber como Escobar explicaria à sua filha a violência reinante no país. “Nunca o vi pessoalmente. Acredito, agora, que queria me utilizar para alguma coisa”. Depois de cinco cartas, porém, nunca chegou a conhecer quais teriam sido as razões daquele homem, que anos depois se tornaria mítico, para confiar nela e lhe contar que queria ser jornalista, que ensinava o filho a cuidar das mulheres, que repudiava o machismo e pregava o respeito aos homossexuais.

A série de mensagens começou quando ela, como repórter de televisão na época mais violenta de Medellín, decidiu fazer um plantão na rua que levava à prisão combinada com o Governo para sua entrega à Justiça em troca da não-extradição. “Tinha muitas perguntas a lhe fazer”. Em 1988, seu tio, então procurador-geral da Colômbia, Carlos Mauro Hoyos, tivera a coragem de declarar guerra ao narcotráfico e, por isso, tornou-se alvo de Escobar, que acabou por determinar que ele fosse sequestrado e assassinado. A jornalista, com 20 anos à época, também havia testemunhado o assassinato do militante pelos direitos humanos Héctor Abad Gómez, em 1987. “Vi a cara da morte”, afirma Silvia Hoyos, que, levada pelo desejo de conhecimento, ousou enviar a primeira carta.

Cartas de Pablo Escobar
Cartas de Pablo Escobar

“Meu plano era conquistar a confiança dele, até encontrar o momento oportuno de lhe perguntar aquilo que tanto me obcecava”. E escreveu o seguinte: “Senhor Escobar, como o senhor haverá de compreender, depois de sua prisão o país inteiro irá querer saber como foi a sua primeira noite de cativeiro e o que pensa em fazer durante os dias em que permanecer preso”. A resposta chegou bem mais rapidamente do que ela esperava e pela mesma via usada para o envio de sua mensagem.

O motorista de um caminhão apelidado de Cara de Queijo foi o portador. Escobar lhe dizia que se dedicaria à leitura e que, naquele momento, estava lendo Stefan Zweig. Esta mensagem, datada de 20 de junho de 1991, abriu o caminho para várias outras. A forma de entrega, porém, foi modificada. Foi um sinal em seu “bip” que deu o aviso, em quatro ocasiões, de que havia uma carta de Escobar à sua espera em alguma praça ou em alguma loja. Embora a primeira carta tenha marcado a sua estreia em matéria de furos jornalísticos — quando ela divulgou seu conteúdo na televisão —, Hoyos, por medo, optou por não revelar as que vieram depois.

Escobar lhe contou que lia quatro jornais por dia, que dava conselhos ao filho Juan Pablo Escobar, então com 14 anos de idade, sobre os perigos do uso de drogas e de bebidas alcoólicas. Com orgulho, dizia que Manuela, sua filha de sete anos, era uma “caixa de música” para a qual escrevia e gravava histórias para que escutasse antes de dormir.

“Era difícil acreditar que se tratava da mesma pessoa”, afirma a jornalista, que teve, naquela ocasião, a notícia de que engravidara. As mensagens continuaram e o rosto de Pablo Escobar, o pai, tornava-se mais visível. “Manuelita sempre é o personagem principal das minhas histórias Ela exige que seja assim. Quem não se sentiria feliz tendo filhos tão lindos como os que eu tenho?”, pode-se ler numa das cartas. Hoyos admite que nunca foi capaz de lhe pedir as explicações que havia planejado obter. Sempre sentiu medo, e a filha que ela mesma esperava passou a ser a sua prioridade; a mesma filha que, anos depois, lhe perguntaria se o Escobar que aparecia naquelas folhas encontradas no meio de suas roupas era o mesmo que escreveu uma história de verdadeiro terror na Colômbia.

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