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Crise imigratória na UE se agrava com o regresso de controles fronteiriços

Áustria recorre ao Exército para gerenciar fluxo de refugiados

Lucía Abellán
Refugiados chegam à estação ferroviária de Munique, na Alemanha, em 13 de setembro de 2015.
Refugiados chegam à estação ferroviária de Munique, na Alemanha, em 13 de setembro de 2015.NICOLAS ARMER

A enorme afluência de refugiados que em poucas semanas surpreendeu a Europa está pondo à prova alguns pilares comunitários. Depois das medidas da Alemanha, a Áustria – recorrendo aos militares – e a Eslováquia restabeleceram temporariamente os controles nas fronteiras internas, cujo desaparecimento constitui uma das grandes conquistas da UE. Pela primeira vez há uma reação dessas por questões migratórias. A pressão das fronteiras conseguiu fazer com que os ministros do Interior pactuassem a distribuição excepcional de 160.000 refugiados pelos países membros, mas sem assumir cotas obrigatórias, segundo anteciparam os ministros francês e alemão, embora os encarregados do Interior continuem negociando os detalhes.

Tia de Aylan pede à Europa que atue já

A família de Aylan, o menino sírio morto em um naufrágio, e que se transformou em um símbolo da crise de refugiados, tentou pedir asilo no Canadá antes de empreender sua viagem letal até a Europa. Ali vive há mais de 20 anos uma tia dos dois meninos que morreram, Fatima Kurdi. Vestida rigorosamente de preto, Kurdi apareceu nesta segunda-feira em Bruxelas para pedir aos ministros europeus que deem uma resposta ao drama migratório.

“Já é muito tarde para salvar a minha família, mas não para salvar outras. É preciso trabalhar em um plano coordenado”, apelou Kurdi, depois de se reunir com o ministro de Relações Exteriores de Luxemburgo, Jean Asselborn.

A decisão alemã de reinstaurar temporariamente os controles por questões de segurança provocou um relativo efeito dominó em outros países europeus. Cada um com seu propósito — não necessariamente coincidente —, os Estados tentam alertar que a chegada maciça de refugiados requer uma resposta coordenada e a aplicação de regras claras. Ao movimento alemão se seguiu um anúncio da Áustria de deslocamento de militares para fazer a segurança da fronteira com a Hungria, pela qual na noite anterior haviam cruzado milhares de imigrantes com direção à Alemanha. “Se a Alemanha aplica controles fronteiriços, a Áustria tem de aplicar controles reforçados na fronteira”, afirmou o vice-chanceler austríaco, Reinhold Mitterlehner, em uma entrevista à imprensa. “E vamos fazer isso agora”, antecipou.

A Eslováquia anunciou também a introdução de controle temporários nas fronteiras, reforçadas com mais 220 policiais. E a Hungria deixou o caminho livre aos requerentes de asilo que chegam a seu território com o único objetivo de seguir adiante rumo à fronteira com a Alemanha. Em contraposição à atitude inicial de querer registrar todos os imigrantes, como ditam as normas de asilo da UE, as autoridades húngaras estão utilizando trens especiais para transportar milhares de imigrantes de Röszke, perto da fronteira com a Sérvia, até a Áustria. Assim garantiu à Reuters uma porta-voz da Acnur, a agência da ONU para refugiados.

A incapacidade que a Europa está mostrando para lidar com essa crise de maneira coordenada questiona a livre circulação consagrada no tratado de Schengen. Sem chegar a controlar as fronteiras, a primeira-ministra polonesa, Ewa Kopacz, se declarou disposta a estabelecer essa medida “quando houver notificações de alguma ameaça à segurança”. E a Holanda decidiu reforçar as inspeções nas zonas fronteiriças, mas sem chegar a aplicar medidas excepcionais fora de Schengen.

Todos esses movimentos plainaram como uma espada de Dâmocles sobre os ministros reunidos em Bruxelas. Até agora a Comissão Europeia só tinha recebido seis notificações de uma suspensão temporária da liberdade de fronteiras desde 2013, quase todas por acontecimentos previsíveis, como a realização de uma cúpula do G7. Schengen permite sempre realizar inspeções nas fronteiras, mas exclui os controles sistemáticos, salvo em situações de ameaça à segurança interna de um país, como as que a Alemanha invoca.

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O ministro alemão do Interior, Thomas de Maizière, utilizou a excepcionalidade dessas medidas como um estimulante para tentar levar adiante a distribuição de refugiados por quotas, proposta pelo Executivo do bloco. Somente esse país comunicou a Bruxelas seus controles temporários, apesar de que todos têm o dever de fazer isso.

A estratégia funcionou parcialmente. Os ministros conseguiram aprovar um texto no qual assumem “em princípio” a redistribuição de 120.000 novos demandantes de asilo pela comunidade europeia, mas não as quotas individuais de cada país. Os compromissos de cada Estado serão especificados nos próximos dias, com o objetivo de que o esquema de redistribuição de urgência fique aprovado em 8 de outubro, em uma nova reunião de ministros do Interior. “Há um acordo político de base para o reassentamento de 160.000 [pessoas]”, afirmou o ministro Maizière, que somou ao primeiro contingente de 40.000 proposto pela Comissão em maio mais 120.000 refugiados da semana passada.

O ministro alemão e seu colega francês, Bernard Cazeneuve, compareceram simbolicamente de forma conjunta para endossar o avanço, embora ele deixe de fora várias das principais demandas formuladas por esses dois Estados. A primeira, assumir um mecanismo permanente de redistribuição de imigrantes cada vez que se desencadeie uma crise. E a segunda, que cada país se comprometesse que aceitaria as quotas determinadas pela Comissão como obrigatórias. No primeiro esboço de declaração dos ministros aparecia, de fato, um respaldo a esse mecanismo de crise, mas nas versões seguintes ele desapareceu para que se obtivesse o apoio dos países do Leste, que resistiram muito ao sistema de cotas.

Sem decidir os detalhes

Os detalhes terão de ser delineados nos próximos dias para que a decisão seja firme em uma nova reunião de ministros do Interior, a ser realizada em Luxemburgo em 8 de outubro. Para compensar a ativação desse mecanismo de solidariedade, os Estados se comprometem a um reforço das fronteiras externas da UE e a acelerar as deportações de todos aqueles que não tiverem direito ao asilo.

Além de sentar as bases para um acordo dentro de alguns dias sobre a distribuição de 120.000 refugiados que já chegaram à Hungria, Grécia e Itália para o restante dos países membros, os ministros adotaram formalmente a primeira fase desse projeto. Trata-se dos 40.000 pedidos de asilo que a Comissão propôs distribuir em maio — então, somente da Grécia e Itália — e que os países não puderam pactuar antes do fim do semestre passado.

Embora a meta ainda não tenha sido alcançada e, por ora, os Estados não ofereçam mais do que 32.256 lugares para esses traslados, os especialistas poderão já ir trabalhando nos processos. Apesar dos chamados de urgência por parte de Bruxelas, da ONU e de todas as organizações humanitárias, a Europa não redistribuiu ainda nenhum refugiado — uma tramitação que agora será acelerada com a decisão formal já adotada.

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