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Duas sombrinhas no espaço para esfriar o clima do planeta

Estudo mostra a viabilidade de usar guarda-sóis em órbita contra o aquecimento global

Miguel Ángel Criado
Ilustração mostra como duas 'sombrinhas' poderiam reduzir a radiação solar.
Ilustração mostra como duas 'sombrinhas' poderiam reduzir a radiação solar.C.M.Costa

Enquanto os líderes políticos mundiais, reunião após reunião, não se decidem a impedir o aquecimento global, um número crescente de cientistas imagina como esfriar o planeta para minimizar os efeitos da mudança climática. Na chamada geoengenharia, alguns propõem injetar gases nas nuvens para aumentar a refração dos raios solares. Outros pretendem fertilizar os oceanos para que consigam captar mais CO2. E, agora, um estudo demonstra a viabilidade da alternativa mais ousada de todas: instalar uma espécie de guarda-sóis gigantes no espaço para que façam sombra na Terra.

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A forma mais racional de combater a mudança climática é atacar suas causas: reduzir as emissões dos gases responsáveis pelo efeito estufa. Mas, na falta da racionalidade política, a geoengenharia vem abrindo caminho. Nos últimos anos, tanto a Royal Society britânica como a norte-americana Academia Nacional de Ciências elaboraram relatórios nos quais, após insistir que seria melhor prevenir do que remediar, repassam as diferentes alternativas para lidar com o clima global.

Uma delas é uma técnica de gestão da radiação solar que parece mais própria da ficção científica do que da realidade. Não por acaso, mal tem espaço nos dois relatórios. A ideia é reduzir a quantidade de energia solar que chega ao planeta colocando algo na trajetória entre o Sol e a Terra. Mas esse algo precisa ter o tamanho necessário para fazer sombra no planeta. E se é tão gigantesco, é preciso saber onde e como colocá-lo.

Os guarda-sóis deverão ser colocados além do ponto de Lagrange L1, a 2,4 milhões de quilômetros da Terra

“Do nosso planeta seria visto como um pontinho, parecido com uma mancha solar”, diz o especialista em astrodinâmica da Universidade de Cranfield (Reino Unido), o espanhol Joan-Pau Sánchez. Com a colaboração de seu colega da área aeroespacial Colin McInnes, da universidade escocesa de Strathclyde, Sánchez ele estudou a viabilidade de colocar uma espécie de guarda-sol entre o Sol e a Terra.

Partindo do fato de que a radiação solar global média é de 1.367 watts por metro quadrado, os climatologistas estimaram que é preciso reduzir essa cifra em 1,7%. Com essa porcentagem como referência, os pesquisadores ensaiaram milhares de configurações de tamanho, localização e massa de seu guarda-sol, sobre um modelo climático para conseguir impedir a mudança climática, voltando à configuração de 1980.

A primeira coisa a ser averiguada por Sánchez e McInnes é onde colocar o guarda-sol. Estudos anteriores assinalaram o chamado ponto de Lagrange L1 entre o Sol e a Terra. Ainda que o matemático ítalo-francês Joseph-Louis Lagrange (daí o nome) explique melhor, trata-se de uma das áreas (existem cinco pontos de lagrange) onde a atração da gravidade do planeta e do astro se anulam, de modo que outro corpo menor poderia orbitar sem ser arrastado por um dos gigantes. O L1 entre o Sol e a Terra encontra-se a 1,5 milhões de quilômetros de nosso planeta.

Da Terra, as sombrinhas seriam vistas contra o Sol ainda menores que Vênus (na imagem) durante seu trânsito diante do astro.
Da Terra, as sombrinhas seriam vistas contra o Sol ainda menores que Vênus (na imagem) durante seu trânsito diante do astro.NASA

Entretanto, como explica Sánchez na revista científica PLoS ONE, esses cálculos não levam em consideração o empuxo da radiação solar. Os fótons se chocariam contra a estrutura e, como se fosse uma vela, a arrastariam em direção à Terra até que sua gravidade a capturasse. Por isso, colocando na equação a massa do guarda-sol, a pressão da radiação solar e a atração gravitacional do Sol e da Terra, o resultado é que o guarda-sol deve ser colocado até quase 2,44 milhões de quilômetros do planeta. Assim, o impulso dos fótons compensaria a maior atração do sol.

Dois guarda-sóis são melhores do que um

Durante suas simulações, os pesquisadores comprovaram que um guarda-sol não é o bastante. Ainda que consiga reduzir a redução de 1,7% da redução solar, uma única estrutura provocaria grandes diferenças entre latitudes e estações. Perceberam que, com dois, cobririam os dois hemisférios e evitariam mudanças anormais no clima.

Uma das estruturas deverá ter raio de 1.522 quilômetros, mais ou menos a distância entre Barcelona e Londres por estrada. A outra, somente 880 quilômetros de raio. “Com somente uma não conseguiríamos bons resultados no controle estacional e com duas é maior o grau de liberdade para projetar a sombra sobre a Terra para compensar a diferença entre latitudes”, explica o pesquisador espanhol. E o mais fascinante é que, apesar de suas dimensões e distância, as estruturas poderão ser guiadas usando a própria radiação solar para orientá-las.

Ainda que o objetivo do estudo fosse demonstrar a viabilidade desse sistema do ponto de vista da física e da astrodinâmica, ficam duas grandes questões por resolver e as duas estão relacionadas: como levá-los até o ponto necessário e do que seriam feitas? No estudo dizem que seria preciso uma década de produção de alumínio para fabricar algo tão grande. E depois o guarda-sol deve ser retirado da Terra, montado e colocado em órbita.

Outra opção seria aproveitar nuvens de asteroides para, após realocá-las, fazer sombra ao Sol. Parece algo imponente, sobre-humano, mas na Terra já foram feitos esforços de engenharia com um custo semelhante, como a represa das Três Gargantas na China, e projetos como o de colocar um homem na Lua levaram mais tempo e recursos do que os necessários para esses dois guarda-sóis espaciais.

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Documento: 'Optimal Sunshade Configurations for Space-based Geoengineering near the Sun-Earth L1 point'

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