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Coluna
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Imigração e xenofobia

Brasil, país de diversidade, acompanha horrorizado as manifestações de xenofobia contra os médicos cubanos, senegaleses e haitianos

Refugiados caminham próximos à fronteira da Hungria.
Refugiados caminham próximos à fronteira da Hungria. SANDOR UJVARI (EFE)

São chocantes os relatos de levas e levas de pessoas buscando a Europa em fuga de seus países de origem, ilustrados pela foto do menino sírio Aylan Kurdi, que todos viram, ou pelos 71 corpos, incluindo quatro crianças, encontrados sufocados dentro de um caminhão frigorífico na fronteira da Hungria com a Áustria, que ninguém viu. O Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) calcula em 200 mil o total de pessoas que entrarão na Europa este ano e em 250 mil a previsão para 2016. Um número impressionante, mas pequeno se comparado aos cerca de 50 milhões de indivíduos que deixaram a Europa entre 1800 e 1914 – média de 440 mil por ano. A diferença é que enquanto estes moviam-se precária mas organizadamente em direção à América, Austrália e África do Sul, os novos imigrantes tentam desesperados vencer barreiras naturais, como o mar, ou imaginárias, como as fronteiras, correndo risco de perder a vida, único bem que possuem.

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Os sírios, principal grupo a bater às portas dos países europeus, tentam escapar de uma guerra que já dura quatro anos e causou a destruição da infraestrutura do país, provocou cerca de 220 mil mortes e o deslocamento de quatro milhões de pessoas de um total de 17 milhões de habitantes. Em nome do equilíbrio político regional, os governos ocidentais sempre ignoraram as denúncias contra as arbitrariedades praticadas pelo ditador Bashar al-Assad, filho de Hafez al-Assad, que manteve-se no poder por 30 anos. Em 2011, aproveitando-se da guerra civil iniciada logo após a repressão brutal do exército aos protestos da Primavera Árabe, o Estado Islâmico desencadeou uma ofensiva, a partir do Iraque, apropriando-se pouco a pouco de vasto território sírio, onde impõe o direito islâmico que regula todas as atividades cotidianas. Entre a ditadura cruel de al-Assad e a violência da sharia os sírios preferem desafiar a morte no mar ou dentro de caminhões sem ventilação.

É também em retirada de regiões conflagradas que afegãos e paquistaneses chegam à Europa. Apoiados inicialmente pelo Ocidente como meio de contrabalançar o poderio da União Soviética durante a guerra fria, os grupos radicais islâmicos Talebã, no Afeganistão, e al-Qaeda, no Paquistão, acabaram por tornar-se os maiores inimigos da Europa e dos Estados Unidos até o advento do Estado Islâmico. Às populações civis daqueles países, sofrendo há anos as investidas dos fundamentalistas que sustentam governos paralelos nos territórios onde atuam, não resta outra saída à miséria e à intolerância a não ser a debandada. E é a miséria, que afeta nigerianos e eritreus, e a intolerância, que persegue os ciganos do Kosovo, que também os empurram contra as fronteiras da Europa.

A chegada de milhares de imigrantes muçulmanos, negros e ciganos vem aumentando o sentimento xenófobo de parte da população europeia

As cenas de frágeis barcos rebocados em alto mar ou de centenas de pessoas amontoadas em improvisados campos de refugiados causam indignação, insuflam a solidariedade e obrigam as autoridades a tomar atitudes para a resolução do problema. Por outro lado, a chegada de milhares de imigrantes muçulmanos, negros e ciganos vem aumentando o sentimento xenófobo de parte da população europeia, que pode ser exemplificado pela ação da cinegrafista húngara Petra Lászlö, flagrada chutando sírios na fronteira com a Sérvia – não por acaso, a Hungria tem a maioria das cadeiras do Parlamento ocupadas por partidos de direita e extrema-direita. Diante da crise econômica, que parece global, os fascistas e neonazistas vêm ampliando o espaço político na Europa, notadamente na Alemanha, Áustria, França, Suécia, Grécia, Itália e Irlanda.

É curioso, porque justamente a Alemanha, o Império Austro-Húngaro, a Itália, a Irlanda e a Suécia despejaram, no século XIX, milhões de camponeses esfomeados para fora de suas fronteiras, o que provocou um reequilíbrio demográfico, possibilitando o reerguimento econômico no século seguinte. Estes, que deveriam ser os primeiros a abrir as portas para os estrangeiros, veem em uma dimensão cada vez larga crescer o preconceito étnico e religioso. Aliás, de forma patética, algo semelhante começa a ocorrer no Brasil. País de diversidade étnica, acompanhamos horrorizados as manifestações explícitas de xenofobia e racismo contra os médicos cubanos e mais recentemente contra senegaleses e haitianos. Onde vive o ser humano, mora a estupidez.

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