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Lula defende que o kirchnerismo “mudou a história da Argentina”

Em Buenos Aires, ex-presidente brasileiro se envolve na campanha de Daniel Scioli Candidato da situação também receberá o apoio do boliviano Evo Morales

Carlos E. Cué
A presidenta argentina com Daniel Scioli e Lula.
A presidenta argentina com Daniel Scioli e Lula.EFE

Todos os ingredientes estavam sob medida para uma exaltação da esquerda latino-americana, que tem dominado a América do Sul nos últimos 15 anos. Cristina Kirchner, seu candidato a sucessor, Daniel Scioli, e o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva cruzaram os arredores de Buenos Aires — eles, de carro, ela, em helicóptero — para inaugurar, no coração de um bairro muito pobre de casas de tijolo e sem pintura, no município de José C. Paz, um pequeno hospital para atender problemas complexos. “Trata-se de que os pobres não tenham de ir ao hospital, mas o hospital aos pobres”, afirmou Lula diante de milhares de militantes kirchneristas inebriados, com suas bandeiras e até com um boneco de Néstor Kirchner de tamanho natural, que brandiam diante dos oradores.

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Esse tipo de hospitaizinhos, chamados de UPA, foram um dos projetos emblemáticos de Lula. No Brasil há mais de 400; na província de Buenos Aires, são 15 no momento. Lula se lançou abertamente na campanha eleitoral argentina, que vive um momento de dúvidas porque Scioli não consegue distanciar-se nas pesquisas e alguns temem que, se não conseguir vencer no primeiro turno — precisa de 45% dos votos ou uma vantagem de 10 pontos sobre o segundo colocado —, cairá no segundo.

Lula, que apesar dos escândalos e críticas que sofre no Brasil conserva intacto seu prestígio popular na Argentina, vai passar quase toda a semana em Buenos Aires em campanha com Scioli. E em José C. Paz ele se entregou como se estivesse fazendo campanha no Brasil. Lula defendeu as conquistas dos Kirchners, em especial do falecido Néstor, com quem compartilhou muitas cúpulas, e pediu aos argentinos que mantenham o projeto que chegou em 2003, o kirchnerismo, porque “mudou a história da Argentina”.

O ex-presidente brasileiro se dedicou a apoiar o “companheiro Scioli”, mas também a presidenta, Cristina Kirchner. Scioli, que passou um mês complicado por causa das inundações na província de Buenos Aires — agora volta a chover e os sciolistas estão muito inquietos —, está tirando proveito desses apoios da esquerda latino-americana — nesta quarta-feira ele receberá a visita de Evo Morales — para tentar fazer sua campanha decolar.

Na realidade, ele continua sendo o grande favorito, mas necessita de um empurrão para estar seguro. Lula lhe está dando, e ambos jantaram juntos na noite anterior em Villa La Nata, a mansão do governador de Buenos Aires, um milionário ex-esportista que foi atraído para a política por Menem, nos anos 90.

Tanto Scioli como Cristina e Lula exaltaram uma espécie de marco fundacional da esquerda latino-americana moderna: a cúpula de Mar del Plata de 2005, na qual Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Lula frearam a ALCA, o tratado de livre comércio que os EUA incentivavam, entraram em choque com George W. Bush e demarcaram uma nova linha estratégica no continente, à qual logo se uniram Evo Morales e Rafael Correa. “Com Kirchner enterramos a ALCA aqui em Mar del Plata. Aqui criamos a Unasul. É uma pena que Néstor não esteja aqui para ver Cristina, uma mulher realizada e vencedora. A senhora deixa a presidência como uma heroica defensora dos pobres”, enfatizou Lula.

Para encerrar, Cristina fez um discurso emocionado no qual tudo parecia já pensado para passar à história em dezembro, quando deixar a presidência. Desde os símbolos — entregaram-lhe um busto de Evita Perón, uma referência para ela — até o pronunciamento. “Se alguma vez se lembrarem de mim, que seja como a companheira de Néstor, a que o respaldou. Néstor já não é meu nem de seus filhos. É do povo e da história”, clamou a presidenta com a voz embargada.

Entre o público havia alguns moradores da área, mas principalmente muitos militantes chegados em ônibus, que aguentavam sob uma chuva torrencial. A oposição critica esse tipo de atos, dizendo que as pessoas participam porque são servidores públicos ou recebem algum tipo de benefício. A presidenta ficou indignada e aproveitou para lançar na cara de Mauricio Macri, o grande rival de Scioli, um escândalo que afeta sua campanha porque um dos apoiadores de sua candidatura, o locutor esportivo Fernando Niembro, recebeu 22 milhões de pesos (quase 8,5 milhões de reais) da prefeitura em contratos que não parecem muito transparentes. “Eles acreditam que os pobres só têm ideias se lhes pagam. Desprezam os pobres. Dizem que vêm aqui pelo choripán (sanduíche típico argentino). E acontece que eles têm um choripán de ouro, de 22 milhões de pesos por contratos que não se sabe se foram realizados ou não”, arrematou. A presidenta também mobilizou seus seguidores ante a possibilidade de que na Argentina seja feito um ajuste que até mesmo Scioli poderia levar adiante. “Não me agradeçam. Guardem a força para reivindicar que não lhes tirem o que vocês têm”, gritou aos militantes.

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