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Dilma alega transparência para justificar criação de novos impostos

Presidenta diz que não gosta da CPMF, e não descarta outros tributos para reduzir o déficit

Rousseff, nesta quarta-feira, no Planalto.
Rousseff, nesta quarta-feira, no Planalto.Eraldo Peres (AP)

Após o Governo voltar atrás na recriação da CPMF (o imposto do cheque), a presidenta Dilma Rousseff (PT) deixou claro nesta quarta-feira que não abriu mão de ampliar a carga tributária brasileira nos próximos meses. A justificativa para a criação de novos tributos é a previsão de déficit para o ano de 2016 apresentado, segundo ela, de maneira transparente e admitindo que “claramente há um problema”. Na última segunda-feira, a equipe econômica anunciou que no próximo ano o país terá um rombo de 30,5 bilhões de reais nas contas públicas na proposta de Orçamento apresentada ao Congresso. É a primeira vez que um Governo informa que o país deve fechar o ano no negativo, gastando mais do que arrecada.

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O orçamento do Governo

“Não gosto da CPMF, se você quer saber. Acho que a CPMF tem as suas complicações, mas não estou afastando a necessidade de fontes de receita. Não estou afastando nenhuma fonte de receita, quero deixar isso claro, para depois se houver a hipótese de a gente enviar essa fonte, nós enviaremos”, disse a presidenta para jornalistas nesta quarta-feira, após um evento no Palácio do Planalto, em Brasília.

Ao menos duas novas fontes de receitas fiscais já estão previstas no Orçamento de 2016 e vão impactar no bolso dos consumidores a partir de dezembro. A redução de benefícios para produtos como smartphones, tablets e computadores, além do aumento dos impostos para bebidas como vinhos, whiskies e cachaças.

Rousseff não detalhou quais impostos seriam criados nem o prazo para que isso ocorra. Hoje, um trabalhador que ganha 1.000 reais por mês gasta quase 300 reais com impostos, incluindo os que estão embutidos em produtos e serviços que são adquiridos pelo consumidor. O cálculo é da Associação Comercial de São Paulo.

O que está claro neste momento é que o orçamento enviado pelo Governo Rousseff ao Legislativo sofrerá mudanças, uma espécie de adendo, conforme a própria mandatária informou. “Quando acharmos que a discussão maturou, que existem as condições para fazer isso, nós queremos mandar mais elementos para o Congresso”, declarou a presidenta.

Lançar mão da transparência para anunciar resultados negativos e medidas duras é algo novo para a gestão Rousseff. A presidenta perdeu parte de seu capital político no último ano justamente depois de prometer durante a campanha eleitoral de 2014 que não haveria arrocho, como em crises anteriores. Meses depois, o Governo aprovaria reajuste das contas de energia elétrica, restrições em alguns benefícios trabalhistas e cortes em alguns programas sociais.

A transparência também é um apelo novo nas contas públicas. No mandato anterior, o Governo foi acusado de fazer manobras fiscais para maquiar problemas de caixa, as chamadas pedaladas fiscais. Com base nessa maquiagem, a ser julgada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) nas contas de 2014, é que parte da oposição espera embasar um pedido de impeachment de Dilma.

Cálculos feitos por técnicos do próprio Governo assim como por políticos oposicionistas demonstram que o rombo pode ser maior dos os 30,5 bilhões anunciados pela União. Poderia variar de 33 bilhões a 100 bilhões de reais, conforme as projeções de inflação, crescimento anual e gastos com emendas parlamentares e repasses de impostos que não foram incluídos na primeira avaliação governista.

Rousseff, contudo, entende que a conta de sua equipe econômica está correta. “Do nosso ponto de vista, nós não achamos que estamos errados. Nós achamos que o déficit é R$ 30 bilhões. O déficit é ruim. Eu não vou concordar com o 'desastroso', mas todo déficit é ruim. Se a gente achasse o déficit bom, nós iríamos abraçá-lo, nós não abraçamos, nós queremos resolver o problema”, ponderou.

Primeiro sinal de apoio

Na terça-feira, após a divulgação das contas negativas, a petista se reuniu com os presidentes das duas Casas do Congresso Nacional, Renan Calheiros, do Senado, e Eduardo Cunha, da Câmara, ambos do PMDB. Pediu a eles ajuda para contornar a crise, sem a aprovação de medidas que resultassem em novos gastos públicos. Ouviu uma resposta positiva quanto ao apoio institucional, mas os dois reforçaram para Rousseff que o problema maior era dela, não deles. Calheiros, demonstrou-se mais aberto e disse que Congresso iria ajudar no que fosse possível para melhorar o orçamento.

A primeira sinalização de apoio foi dada nesta quarta-feira, quando senadores e deputados da base governista esvaziaram a sessão conjunta do Congresso Nacional que iria analisar dois vetos presidenciais a projetos de lei que criam novos encargos para a União. Um previa um aumento de até 78,5% para os servidores do Poder Judiciário – impacto de 25,7 bilhões de reais aos cofres públicos. O outro, extinguiria o fator previdenciário (que é uma medida que reduz o valor dos proventos dos aposentados). Essa última medida resultaria em um aumento das despesas em 9,1 bilhões de reais, conforme os cálculos do Ministério do Planejamento.

Nas tribunas do Congresso os deputados bateram boca. Do lado do Governo, como Carlos Zarattini (PT-SP), o discurso era de que o momento não era propício para a criação de novos gastos para a União. Opositores, como Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), diziam que o ajuste governista não poderia ser cobrado apenas dos trabalhadores. “Estamos no baile do ajuste fiscal, mas só quem está dançando é o trabalhador. Se tem dinheiro para pagar juros estratosféricos, têm de ter para pagar o funcionalismo público”, reclamou o petebista.

A sessão do Congresso foi encerrada enquanto parte dos congressistas xingavam o deputado Waldir Maranhão (PP-MA), que presidia os trabalhos, e servidores o vaiavam das galerias da Câmara. Do lado de fora do Legislativo, os funcionários do Judiciário em greve promoviam mais um sonoro e irritante buzinaço que durou boa parte do dia.

Presidenta garante apoio a Levy e diz que ele não está isolado

Isolado dentro do Governo Dilma Rousseff e derrotado em várias batalhas internas, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, teve ontem uma demonstração de apoio por parte da presidenta. Questionada se o responsável pelas finanças da União estaria de saída, Rousseff negou e disse que isso é um boato, um "desserviço para o país". Ela recorreu a uma comparação de uma discussão familiar para explicar a situação de seu ministro.

“Dentro de uma família, nós todos sabemos aqui, tem várias opiniões. O fato de haver opiniões de A, de B, de C, de D, da mãe, do pai, de quem quer que seja, não significa que a família está desunida, não. Significa que ela debate, discute, que ela quer enfrentar o problema e que ela quer superar o problema. Me desculpa, mas eu acho que é um desserviço para o país esse processo de transformar e de falar que o ministro Levy está isolado, está desgastado. Não está”, afirmou a presidenta.

Na última segunda-feira, Levy foi obrigado por Rousseff a apresentar ao lado do ministro Nelson Barbosa o déficit no orçamento da União. Ele não queria participar da divulgação para a imprensa porque sugeriu que os cortes nas despesas discricionárias (as que não são obrigatórias por lei) deveriam ser maiores do que foram e, assim, o déficit nas contas públicas seria menor. Na ocasião, Levy teve de cancelar sua participação em um evento em São Paulo.

Essa não foi a primeira derrota do ministro dentro da gestão Rousseff. No primeiro semestre, quando da apresentação do ajuste fiscal, o titular da Fazenda sugeriu fazer cortes de 80 bilhões de reais, mas o Governo apresentou medidas legais que chegaram aos 69 bilhões, o que o desagradou.

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