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“Nas secas dos EUA, o volume morto não é utilizado como em São Paulo”

Professor compara ações adotadas nas secas dos EUA e a gestão paulista da crise hídrica

María Martín
O professor de engenharia civil Richard Palmer
O professor de engenharia civil Richard PalmerChristina Yacono/Daily Collegian

O professor norte-americano Richard Palmer, que participou das ações emergenciais nas crises hídricas de diferentes cidades dos EUA, visita São Paulo desde 2014 e se diz surpreso com o que ele vê. O chefe do Departamento e professor de Engenharia Civil da Universidade de Massachusetts afirma que, em 1985, na crise de abastecimento que sofreu Nova York, as autoridades declararam o estado de emergência quando os reservatórios chegaram a 65% da capacidade. Sem ter sido reconhecida a criticidade do sistema, o Cantareira opera hoje com 11,9% do seu volume, incluindo a reserva de volume morto.

Para Palmer, visitante da Unicamp com bolsa da fundação Fullbright, a sociedade deveria participar mais nesta crise e o Governo e a Sabesp deveriam fornecer mais informação que permita aos cidadãos entender a gravidade do cenário atual. O professor considera importante, por exemplo, divulgar os dias de fornecimento de água restantes com base no recurso armazenado nos sistemas. Hoje, segundo cálculos de Palmer, São Paulo não tem água para mais de três meses.

O professor imagina um "final ideal para esta crise". Que chova por muitos dias e que as pessoas entendam que escaparam de uma catástrofe e se planejem cuidadosamente para a próxima seca. "Mas se chover e nada mudar, essa será outro tipo de catástrofe", diz.

Pergunta. Qual a sua avaliação sobre o nível de criticidade da crise da água em São Paulo? Você acha que a situação está sob controle?

Se chover e nada mudar, essa será outro tipo de catástrofe"

Resposta. Eu não estou em uma posição ideal para saber se a situação está “sob controle”. Eu definiria “sob controle” da seguinte forma: em uma seca, ninguém pode criar água, o que pode ser feito é administrar a água disponível da maneira mais inteligente possível. Para estar sob controle, a população deve estar consciente da magnitude do desafio, os encarregados de administrar a água devem ser francos e diretos no que dizem à população, as possíveis ações devem ser discutidas em um fórum aberto e público, e as ações tomadas devem ser bem documentadas e apresentadas à população.Tudo isso é muito mais fácil de fazer durante uma seca se a população for envolvida desde o início, se as ações relativas à seca tiverem sido discutidas anteriormente, se existir um plano para a seca com medições, gatilhos e ações claras, e se houver liderança no Governo ou no órgão gestor em que a população acredita.

P. Qual sua impressão sobre a forma como a crise tem sido gerida pela administração pública? Você acha que houve decisões tomadas a partir de uma perspectiva política – e não técnica? Você já viu alguns bons exemplos de gestão aqui?

R. Soluções políticas muitas vezes entram em jogo na tomada de decisões que afetam a população. Isto é natural e apropriado. As decisões que afetam a população em geral devem ser influenciadas tanto por autoridades eleitas, como por analistas técnicos. A questão para São Paulo é saber se o aconselhamento prestado pelos especialistas em água dos serviços públicos e das universidades foi incluído nas decisões tomadas pelas autoridades eleitas.

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P. Quando você viu os estoques dos reservatórios que abastecem São Paulo você disse estar surpreso. Por quê? São Paulo deveria declarar situação de emergência?

R. Acredito que eles já declararam emergência. Eu acho que a população deveria ter sido informada que os reservatórios estavam perigosamente baixos há um ano e que as restrições ao uso da água deveriam ter sido adotadas naquela altura. Mas eu não moro em São Paulo, não sou brasileiro e não sou uma autoridade eleita.

P. Mais de um ano após o início da crise ainda não temos um plano de contingência. E o esboço que temos foi qualificado pelo governador como um “papelório inútil”. Isso é normal?

R. Eu acho que isso não seria considerado aceitável nos EUA.

P. Considerando o nível das reservas hídricas de São Paulo, qual é a situação? Você disse que São Paulo tem água para mais 90 dias. O que hoje torna a situação mais crítica que no ano passado, quando tivemos um alarme semelhante?

R. A diferença entre o ano passado e este ano é que todo o volume morto dos reservatórios que não se destinava ao uso tem sido utilizado. Assim, toda a folga no sistema foi utilizada. Não há nenhuma outra reserva oculta que pode ser acessada. Eu diria que o sistema está em pior situação hoje do que estava há um ano.

P. Você acha que a qualidade da água hoje é uma ameaça à saúde da população de São Paulo? Você encontrou casos de pessoas doentes na seca de Nova York, por exemplo?

R. Não há impacto sobre a qualidade da água potável quando há seca nos EUA, pelo menos, nas situações de que tenho conhecimento nas grandes cidades. A pressão no sistema normalmente não é reduzida, como está sendo feito aqui em São Paulo. O volume morto normalmente não é utilizado, como aqui. A principal característica típica dos planos para a seca nos EUA é um claro esforço para iniciar ações de redução da demanda muito mais cedo do que foi feito em São Paulo. Nenhum grande reservatório de água nos EUA chegou a um nível tão baixo quanto foi feito em São Paulo. A seca atual nos EUA, que também está afetando milhões de pessoas, é um exemplo de ações que estão sendo tomadas logo para evitar impactos catastróficos depois.

A questão é saber se o aconselhamento prestado pelos especialistas em água dos serviços públicos e das universidades foi incluído nas decisões tomadas pelas autoridades eleitas".

P. Uma das coisas que você sugere é reunir pessoas a fim de tomar decisões para resolver a crise e se preparar para secas futuras. Como você faria isso? Quem deve fazer parte desse grupo?

R. Entendo que vocês têm um Comitê da Seca em funcionamento agora, concebido para aconselhar sobre a seca. Esse comitê deve ser composto de pessoas muito sérias que vão trabalhar muito arduamente para ajudar a gerir esta seca e tomar medidas adequadas. O comitê deve ter um poder de decisão verdadeiro e as decisões que tomar não devem ser ignoradas. O comitê deve ter muitos tipos de representantes: especialistas técnicos, indústrias, grupos de defesa do meio ambiente, grupos sociais e autoridades eleitas e tentar contratar especialistas técnicos e universidades para determinar a gravidade da escassez de água. O comitê deve saber a todo momento quantos dias de fornecimento restam no sistema e tornar esse dado público de modo que a população possa compreender claramente a gravidade da seca. O comitê deve contratar especialistas em comunicação social para garantir que a população se conscientize das ações que poderão ser adotadas para reduzir a demanda de água.

P. Qual é a sua projeção de chuva até o próximo ano? O problema vai se resolver por si só?

R. Eu não posso prever o futuro. Podemos fazer estimativas razoáveis de chuva para 7 a 10 dias e, depois disso, as nossas previsões não são muito boas. Eu não posso responder a essa pergunta com certeza alguma. É claro que espero que chova mais do que a média durante a estação chuvosa. No entanto, sei que houve, no passado, anos tão secos que, se ocorrerem novamente, com os reservatórios baixos como estão agora, haverá uma grande escassez de água. Espero que isso não aconteça. Com base nos eventos passados, é possível desenvolver as probabilidades de os reservatórios voltarem a se encher, ou ficarem em nível normal, ou permanecerem baixos. Esse é o tipo de análise que deve ser feita e fornecida não só aos tomadores de decisão, como também à população.

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