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Coluna
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Quem perde com a crise?

Quem mais sofre as consequências do “erro de avaliação” do Governo são como sempre os que dependem diretamente dos humores do mercado, ou seja, os pobres

Michel Temer e Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada, no dia 19 de agosto.
Michel Temer e Dilma Rousseff, no Palácio da Alvorada, no dia 19 de agosto. Ueslei Marcelino (REUTERS)

Nenhuma surpresa com a denúncia, pela Procuradoria Geral da República, do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por crime de corrupção. Pouco a pouco, as investigações levadas a termo pela Operação Lava Jato vão revelando o que todos sabemos há décadas, a promíscua associação entre políticos e empresários para saquear os cofres públicos. Espanto causa as estranhas alianças forjadas pela situação e pela oposição para enfrentar a crise que empurra o país para um perigoso impasse institucional e para um rápido agravamento do quadro econômico, sem solução à vista.

O lobista Julio Camargo, que afirmou em depoimento que Cunha recebeu U$ 5 milhões do esquema de propina da Petrobras por meio de contas da igreja Assembleia de Deus, confessou ter medo do presidente da Câmara, “uma pessoa agressiva quando quer alcançar seus objetivos”. Cunha já anunciou que não renuncia ao cargo, segundo na linha sucessória da Presidência da República, e vem fazendo ameaças veladas a Deus e ao mundo. Seu principal inimigo hoje é o correligionário Renan Calheiros, presidente do Senado, ex-líder do governo Collor e ex-ministro da Justiça do governo Fernando Henrique, e também implicado em denúncias na Operação Lava Jato.

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Renan agora é o mais importante aliado da presidente Dilma Rousseff, que desde a semana passada tem suas contas de campanha analisadas pela Procuradoria Geral da República, a pedido do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes. Para neutralizar o pedaço do PMDB afinado com Cunha, Dilma aceitou negociar com Renan um conjunto de propostas, a chamada Agenda Brasil, que significa um enorme retrocesso no âmbito de conquistas sociais, muitas delas protagonizadas pelo próprio PT. Ao mesmo tempo em que se aproxima de Renan, o partido decidiu agir com “cautela” em relação a Cunha – ou, como disse o presidente do partido, Rui Falcão, os petistas vão aguardar os acontecimentos para não “prejulgar” o deputado.

Por seu turno, o PSDB, principal partido de oposição, vem aumentando a pressão sobre a presidente Dilma, contribuindo para a piora do cenário da governabilidade. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que até aqui vinha mantendo certa discrição, inclusive assegurando publicamente sua confiança na honestidade de Dilma, resolveu passar de bombeiro a incendiário, pedindo a renúncia da colega, alegando a “ilegitimidade” de seu governo. Assim, advoga uma terceira via, juntando-se aos que pleiteiam o impeachment ou a cassação da chapa Dilma-Temer. Para sustentar sua posição, o PSDB também poupa Eduardo Cunha de críticas – não só para fortalecer o presidente da Câmara na queda-de-braço contra o PT, mas talvez, e principalmente, para se precaver de futuros dissabores. Afinal, sabe-se lá que surpresas ainda pode reservar aos tucanos a continuidade das investigações da Operação Lava Jato.

A chamada Agenda Brasil significa um enorme retrocesso no âmbito de conquistas sociais

O vice-presidente, Michel Temer, liderança maior do PMDB, um partido que historicamente cria dificuldades para vender facilidades, assiste sossegado ao embate entre Renan e Cunha. Ele já anunciou que vai deixar o posto de articulador político do Governo, o que, de certa maneira, prepara seu afastamento de Dilma. Temer procura se preservar, pois em caso de renúncia da presidente ou de impeachment, ele assume o cargo – e pensando nisso já vem conversando em separado com lideranças tucanas. Independentemente da solução que for dada à crise política, uma coisa é certa: o PMDB estará na situação, desfrutando das benesses do poder.

Mas, se a crise moral ignora ideologias, a crise econômica tem endereço certo. A presidente Dilma assumiu que o Governo falhou ao demorar a perceber que a situação do país era mais grave que imaginavam. E quem mais sofre as consequências deste “erro de avaliação” são como sempre os que dependem diretamente dos humores do mercado, ou seja, os pobres, aqueles que um dia o PT prometeu transformar a vida. A recessão que se anuncia longa – ampliada pelas fortes turbulências na China – promove a dissolução dos poucos, mas importantes, avanços sociais conquistados na última década. A Classe C, outrora emergente, vê-se acossada pelo desemprego e pela inflação, pela piora dos já péssimos serviços oferecidos nos sistemas de educação, saúde e transporte, pela violência que sitia os bairros das periferias das cidades. Mas quem se importa com isso?

Luiz Ruffato é escritor e jornalista.

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