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A imigração inunda Atenas

Centenas de imigrantes vivem nos parques esperando o momento de viajar ao Ocidente Pagam de 8.000 a 38.000 reais para atravessar vindos da Síria e Afeganistão

Natalia Sancha
Um policial tenta conter centenas de imigrantes que pedem documentos, na segunda-feira em Kos.
Um policial tenta conter centenas de imigrantes que pedem documentos, na segunda-feira em Kos.Y. KARAHALIS (AP)

Ao mesmo tempo em que os turistas e os gregos viajam às ilhas para aproveitar o verão, dezenas de pequenas embarcações com milhares pessoas a bordo chegaram na segunda-feira às costas gregas. Chegam da Turquia depois de penosas travessias, que podem variar entre uma semana e três meses, de acordo com sua nacionalidade. Atenas é a primeira parada no Ocidente e o lugar de trânsito para os imigrantes que fogem das guerras no Oriente.

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“Espero encontrar meu filho em Hamburgo, e lá começar uma vida melhor”, relata uma exausta Irham Haidi, afegã de 32 anos. Como tantos outros, Haidi mandou seu filho seis meses atrás para percorrer a mesma rota que ela agora repete com seu marido e outros dois filhos. Originários de Ghazni (leste do Afeganistão), os Haidi percorreram nesses 75 dias os 5.600 quilômetros que separam sua cidade da capital grega. A pé, de ônibus e em balsas, cruzaram três fronteiras atravessando Irã e Turquia.

A Grécia se transformou na porta de entrada da Europa mais frequentada nos últimos tempos.

Em 2015, 124.000 imigrantes entraram pelo país, mais do que o dobro dos seis primeiros meses de 2014. A maioria chega tentando fugir da guerra que se agrava em seus países. Mas somente 6.200 pediram asilo em território grego, 64% dos quais são sírios e 20%, afegãos. “É uma situação de emergência crítica e dramática”, alerta Giorgos Tsarbipopulos, responsável da ACNUR (agência da ONU para os refugiados) na Grécia. “Os números só aumentam. A Grécia e a Itália sozinhas não podem lidar com a situação. É preciso uma política europeia”, acrescenta.

A chegada de ilegais testa as autoridades

Diante da descoordenação e da falta de recursos, a avalanche de imigrantes dos últimos meses lotou as instituições gregas que assistem dezenas de milhares de imigrantes transitarem por suas ruas. Apesar da austeridade que assola os gregos há anos, as redes de voluntários são vitais para a acolhida das pessoas que chegam em situação irregular. Transformam áreas públicas abandonadas, como um camping na ilha de Lesbos, um hotel na ilha de Kos e um parque em Atenas, em dormitórios provisórios.

Cinquenta moradores do bairro de Exarcheia dão assistência médica, água e alimentos –até mesmo brinquedos para as crianças– aos mais de 400 afegãos que acampam no parque Pedion Tou Areos de Atenas. “Ao chegar às ilhas, os afegãos recebem um documento que lhes dá 30 dias de prazo para abandonar o país sem serem repatriados. Os sírios terão seis meses”, explica Balbis, um voluntário grego. “É nossa obrigação como seres humanos ajudá-los. Pode ser que em dois meses estejamos na mesma situação”, lamenta-se o homem.

Os imigrantes seguem os sinais que seus concidadãos vão deixando pelo caminho. Dependendo das economias, irão optar por uma rota mais rápida e cara, ou mais barata e longa. Quem pode paga até 8.000 reais na Síria (o salário médio nesse país) para pegar um ônibus e depois uma balsa até a Grécia; ou 23.000 reais do Afeganistão para chegar a Atenas. Os que não têm esse valor utilizam o Google Maps, que se transformou no guia oficial versão baixo custo para os imigrantes sem recursos, que fazem sua própria rota de fuga. Os que têm poucas economias compram barcaças no litoral turco por 1.000 reais, que tentam levar à Grécia com a única ajuda de um GPS.

Entre arbustos e debaixo de cobertores, os Haidi recuperam forças junto com outros 400 afegãos no parque Pedion Tou Areos. Duas semanas atrás, os dependentes de drogas e desocupados que habitavam esse jardim central foram substituídos por centenas de imigrantes em situação irregular. Hoje, dezenas de tendas de campanha dividem o espaço com as estátuas de líderes gregos revolucionários e alguns sem-teto locais. A maioria é da etnia hazara, que como os Haidi são perseguidos no Afeganistão.

“Os talibãs e o Estado Islâmico nos consideram apóstatas. Nos perseguem, nos molestam. Se queremos manter a cabeça sobre os ombros não nos resta outra alternativa a não ser imigrar”, diz Ibrahim, de 28 anos e originário de Konduz. Muitos afirmam que no caminho foram atacados a tiros e agredidos pela polícia de fronteira iraniana. Em 2015, mais de 2.000 pessoas que, como ele, tentaram cruzar o Mediterrâneo não poderão contar suas histórias; perderam a vida tentando chegar à Europa.

Com as novas tecnologias, o boca-a-boca se chama WhatsApp. As rotas variam de acordo com o país de origem. As áreas públicas onde dormem os imigrantes que aguardam em Atenas para seguir viagem também são organizadas por nacionalidade. Os sírios ficam na praça Ominia. Lá, quatro jovens sírios deixam cair suas pesadas mochilas. “Acabamos de chegar de Kos”, responde Kholan Fayad, químico de 33 anos, com os olhos brilhantes pela falta de sono.

Balsas de plástico

Os quatro jovens abandonaram Damasco por terra para subir em um barco no litoral libanês e chegar a Esmirna. As rotas de afegãos e sírios convergem nessa localidade costeira turca. “Na praça de Basma estão os atravessadores ilegais. São uma máfia que cobra 3.800 reais pela travessia em uma balsa de plástico, o trajeto até a ilha mais próxima demora cerca de uma hora”, explica Fayad. De lá, pegam outra balsa até Atenas.

Diante dos trilhos da estação central começa a segunda fase do périplo dos imigrantes sem documentos. Passagem nas mãos, a família Hadil, originária de Deir Zor, hoje um dos bastiões do Estado Islâmico (EI), sorri. Ainda precisam atravessar a Macedônia, Sérvia e Hungria –de fato, a Hungria prepara a construção de um muro na fronteira com a Sérvia para impedir essas chegadas– e Áustria. Muitos tentam alcançar a Alemanha, país que para eles é a nova terra prometida.

“O caminho não será fácil, mas qualquer coisa é melhor do que morrer sob as bombas ou ter o pescoço cortado pelo EI”, frisa Ramia, a caçula do grupo.

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