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“Os velejadores devem se vacinar contra hepatite A”

Moscatelli estuda a baía de Guanabara e pede sua recuperação há mais de 20 anos

Moscatelli, com um megafone, protesta diante da Baía de Guanabara.
Moscatelli, com um megafone, protesta diante da Baía de Guanabara.SERGIO MORAES (REUTERS)

As autoridades brasileiras reconheceram em junho a impossibilidade de limpar a baía de Guanabara antes que seja disputada a competição de vela durante as Olimpíadas de 2016, deixando de cumprir assim a promessa feita pelo Governo Lula em 2009, quando o Rio conseguiu trazer para si os Jogos. Cerca de 65% do esgoto dessa cidade de 6,5 milhões de habitantes escorre para o mar sem tratamento: calcula-se que diariamente sejam jogados na baía carioca entre 80 e 100 toneladas de lixo. As queixas dos esportistas nacionais e internacionais são constantes, ainda que o Comitê Organizador garanta a segurança dos atletas: “Um novo sistema de canalização vai levar todos os resíduos para fora da baía e mapeamos as correntes para saber como os dejetos se deslocam, de forma que a área de competição estará protegida por uma frota de ecobarcos e ecobarreiras”, afirma seu diretor de Comunicação, Mario Andrada.

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O biólogo Mario Moscatelli estuda a baía de Guanabara e exige sua recuperação há mais de 20 anos. Ele respondeu ao EL PAÍS por email.

Pergunta. Qual é o problema da Guanabara: o despejo constante de resíduos ou a impossibilidade de limpar a baía?

Resposta. Não é impossível tecnicamente, o que falta historicamente é uma gestão competente do poder público. No meu entender, faltam ações de curto e longo prazo para recuperá-la. No curto prazo, instalar unidades de tratamento nos rios, que hoje são avenidas de lixo, para blindar a baía, e também limpar seriamente praias e fundos. Isso leva uns dois anos. No longo prazo, cerca de 20 anos, poderiam ser implantadas políticas públicas de moradia, transporte e saneamento em todos os municípios vizinhos. Mas, infelizmente, não vejo na cultura política brasileira essa estratégia de longo prazo. A recuperação da baía não ocorreu porque os políticos se beneficiam de sua degradação: a cada certo período de tempo recebem recursos milionários para sua limpeza, mas não gastam com responsabilidade. A baía de Guanabara degradada é uma mina de ouro para gestores acostumados à impunidade.

P. Há risco concretos para a saúde dos velejadores?

R. A intensidade da contaminação dependerá diretamente das condições ambientais. Se chover e a maré estiver baixa, e houver ventos em direção ao oceano, haverá mais problemas. Meu conselho é que eles se vacinem contra a hepatite A.

P. As autoridades brasileiras realmente acreditavam em 2009 que sua promessa de limpar 80% das águas era factível?

R. Não... Simplesmente se comprometeram para ganhar as Olimpíadas. Desde o princípio não vi empenho algum em honrar os compromissos assumidos com o COI, o mundo e principalmente os cariocas. Algo muito parecido ao que aconteceu nos Jogos Pan-americanos de 2007. Agora dirão que falta dinheiro... Mas há cinco anos a economia ia muito melhor do que hoje e não tiveram interesse. A ausência de políticas públicas permanentes e eficientes de saneamento, moradia e transporte transforma os rios em zonas mortas cheias de resíduos e a baía em uma latrina. Podem ser investidos centenas de milhões de dólares no próximo século, mas a baía continuará sendo a latrina que é hoje, intencionalmente.

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