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Pacto entre Irã e EUA redesenha o mapa do poder no Oriente Médio

Só uma aproximação entre Riad e Teerã permitirá atenuar a violência sectária na região

Ángeles Espinosa
O presidente do Irã, Hasan Rohani, na terça-feira passada em Teerã.
O presidente do Irã, Hasan Rohani, na terça-feira passada em Teerã.EFE

O acordo nuclear com o Irã sacudiu o Oriente Médio. Não só muda a imagem daquele país no mundo, como também tem o potencial de reformular alianças e inimizades em uma região explosiva. Desde antes da assinatura, diversos porta-vozes iranianos sugeriram que o acordo permitiria a cooperação com o Ocidente para acalmar a região. O combate ao Estado Islâmico (EI), a Síria e o Iêmen são os assuntos evidentes. No entanto, isso parece difícil conseguir sem uma aproximação prévia entre o Irã e Arábia Saudita, os dois rivais pela hegemonia regional.

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“Durante os últimos anos, as relações [do Ocidente] com o Irã giraram em torno da questão nuclear. Uma vez alcançado o acordo, haverá uma oportunidade e ambos se mostraram a favor de explorá-la. Podemos esperar uma maior colaboração, mesmo que seja a portas fechadas”, interpreta Ellie Geranmayeh, do European Council on Foreign Relations. Na opinião da pesquisadora, que acaba de publicar Engaging with Iran: A European Agenda (Um plano europeu para trabalhar com o Irã), esse diálogo sobre o EI ou a Síria é “mais fácil para a Europa”. As palavras do líder supremo iraniano no sábado parecem dar razão a ela.

Mas é impossível recompor o sangrento quebra-cabeças em que se transformou Oriente Médio só com a ajuda do Irã. “Qualquer reconciliação exige a participação de todas a potências da região”, admite Geranmayeh, que acrescenta a Turquia à equação “porque as guerras por intermediação [proxy wars] não se limitam ao Irã e à Arábia Saudita”. Ainda assim é a rivalidade entre eles que marca a linha divisória ou agrava os conflitos em países como Líbano, Síria, Iraque, Iêmen e Bahrein. Também o motivo que impede sua cooperação frente ao EI, apesar de ameaçar a ambos.

“Não vai ser fácil, dado o longo período de tensões e o grau de desconfiança que existe em relação ao Irã”, ressalta Christian Koch, diretor da Gulf Research Center Foundation e co-autor de um recente relatório que propõe uma conferência de segurança e cooperação para o Golfo. Em todo caso, reconhece que “há tendências e vozes dentro do Irã que não desejam que o país se isole do Mundo Árabe e que entendem que certo grau de cooperação é necessário para resolver os problemas regionais”.

Em Teerã, entretanto, tem-se a convicção de que a mudança precisa vir do outro lado do golfo Pérsico. “Desde sua chegada à presidência [Hasan] Rohani estendeu a mão a Arábia Saudita. Antes da morte de Abdallah, a relação não estava tão envenenada como agora. O novo rei tem uma política externa muito mais agressiva em relação aos vizinhos, incluindo o Irã”, explica o professor de Relações Internacionais Foad Isadi.

A tensão se notou na reação oficial de Riad ao pacto nuclear. O comunicado expressava satisfação por “qualquer acordo que garanta que o Irã não possa desenvolver armas nucleares”, mas insistia sobretudo na importância de inspeções rigorosas e a possibilidade de reinstaurar as sanções com rapidez em caso necessário. Os governantes sauditas estão menos preocupados com o texto do acordo do que com uma República Islâmica livre da pressão internacional e das sanções econômicas e capaz de dar mais apoio a seus aliados na região.

Foi o que disseram comentaristas e meios de comunicação, alguns em tom bastante elevado. “Um Irã terrorista em vez de um Irã nuclear”, era o título de um artigo do colunista Yaser al Yaser no jornal Al Jazeera, em referência ao apoio iraniano às tropas xiitas em vários países da região.

Mesmo países como os Emirados Árabes Unidos e o Kuwait, que logo felicitaram o presidente Rohani, temem a possibilidade de que o pacto seja o primeiro passo para um Grande Acordo entre os Estados Unidos e Irã que termine dividindo o Iraque e a Síria em áreas de influência. Embora os dirigentes iranianos frequentemente mencionem que seu país não atacou nenhum outro nos últimos três séculos, os vizinhos árabes temem seu expansionismo desde a revolução de 1979, não com uma invasão militar, mas ideológica.

Essa desconfiança recíproca alentou o sectarismo que agora arrasa a região e do qual cada um acusa o adversário. Com a proclamação da República Islâmica, o Irã não só se converteu em farol dos xiitas (um ramo minoritário do islã), como também questionou a liderança do mundo islâmico que a Arábia Saudita (sunita) atribui a si por ter Meca em seu território. Desde então, essas diferenças doutrinais que remontam ao século VII, mas que em tempos modernos não tinham impedido a convivência pacífica de seus seguidores, têm sido exploradas com objetivos políticos.

“Qualquer esforço sério para resolver as tensões regionais precisa envolver tanto o Irã como a Arábia Saudita porque eles são os dois atores-chave e ambos exercem grande influência sobre seus respectivos aliados”, conclui Koch.

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