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Grécia clama contra a austeridade

Gregos enviaram à Europa no domingo uma mensagem inequívoca contra a austeridade

María Antonia Sánchez-Vallejo
Partidários do 'não' comemoram a vitória em Atenas.
Partidários do 'não' comemoram a vitória em Atenas. YANNIS KOLESIDIS (EFE)

Com quase a totalidade dos votos apurados, 61% dos votantes que participaram no domingo do referendo convocado há uma semana pelo primeiro ministro Alexis Tsipras rechaçaram a última proposta dos parceiros europeus, que contemplava uma nova rodada de cortes e ajustes. Depois de tomar conhecimento dos primeiros dados, o primeiro-ministro convocou uma reunião de urgência com o diretor do Banco da Grécia para colocar em prática as primeiras medidas de alívio aos bancos, depois de uma dramática semana de corralito (retenção de depósitos bancários) e de controle de capitais, e com a economia à beira de um colapso.

Em um referendo crucial, inédito por seu alcance desde que a democracia voltou ao país em 1974 depois da queda da junta militar, uma maioria absoluta de gregos (61,2% com 92,5% dos votos apurados) respaldou a proposta do Governo e votou contra os termos do programa de auxílio que os parceiros puseram sobre a mesa no Eurogrupo de 25 de junho, e que consistiam — no passado, já que essa proposta é extemporânea desde terça-feira, pois a prorrogação do resgate expirou — em uma nova dose de austeridade. Era o que figurava na cédula, ainda que muitos, os defensores do sim, tenham votado convencidos de que a pergunta era um sim ou um não ao euro e à Europa.

O que o primeiro ministro pretendia quando convocou a consulta há apenas oito dias, deixar o povo falar para evitar a ruptura com as instituições — o que, no entanto, se consumou unilateralmente depois da convocação —, foi amplamente conseguido, e de forma inequívoca; o que acontecer a partir de hoje precisará, no entanto, de uma legião de adivinhos. Entre a difícil recondução do diálogo com os credores a uma saída do euro por asfixia econômica e insolvência — se o Banco Central Europeu não aumentar a oferta de liquidez dos bancos gregos, e cortar definitivamente o cordão umbilical da linha de liquidez de emergência, ou ELA —, qualquer opção é plausível.

“Com este valente ‘não’ que o povo grego disse, amanhã estenderemos nossa mão aos credores. Chamaremos cada um deles para tentar um acordo”, declarou Yanis Varoufakis, ministro das Finanças.

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Reunião de emergência

Sem tempo para comemorar, ocupadas em praticar respiração boca a boca em uma economia exânime depois de uma semana de corralito e de controle dos capitais, as autoridades gregas agiram em seguida. À primeira hora da noite, o próprio Varoufakis, e o governador do Banco da Grécia, Yanis Sturnaras — inimigo declarado do Governo de Syriza —, se reuniram com o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, com o objetivo de acelerar a ajuda dos bancos, e pouco antes da anunciada reunião do Banco Central Europeu. Depois da emergência bancária, as linhas mestras de Atenas serão duas, já rascunhadas semana passada: o relatório do Fundo Monetário Internacional, que admite que a dívida grega é insustentável, e um novo mandato para Atenas, amparado na vontade do povo grego, segundo anunciou o negociador chefe, Efklidis Tasakalotos, depois de confirmada a vitória do não.

O referendo popular absoluto à proposta de Tsipras poderia ser suspeitado já desde sexta-feira, na manifestação de uma multidão no centro de Atenas que reuniu 25.000 pessoas segundo a polícia (três ou quatro vezes mais, segundo os organizadores, e muito maior do que a concentração do sim); pela pesquisa oficiosa que o Governo conduzia, que no sábado dava ao sim apenas 29% dos apoios (segundo os mesmos resultados parciais, foram dez pontos a mais), e sobretudo, pelo agitado rumor que desde a tarde, horas antes do fechamento das urnas, começou a percorrer a dilapidada sede central do Syriza, o partido dirigido pelo primeiro-ministro, Alexis Tsipras. Depois de conhecer os primeiros resultados, milhares de pessoas foram para a praça Sintagma para comemorar a vitória, com uma presença massiva de bandeiras gregas — o orgulho nacional, a possibilidade de erguer a cabeça diante dos ditames de Bruxelas, foi outra das chaves da vitória — e muito poucos cartazes oficiais.

O referendo foi definido esta semana pelo Governo como uma arma da negociação com as instituições, mas os resultados dele ameaçam se tornar uma destruição em massa. Dentro da Grécia, como prova de uma polarização menor do que a esperada — durante a fugaz campanha os dois blocos praticamente empatavam em todas as pesquisas —, mas real e evidente; e também de uma divisão marcadamente geracional, com 67% dos jovens a favor do não, e 37% dos mais velhos votando no sim, apesar de as aposentadorias sempre terem estado no centro de todas as discussões.

As ondas de choque do referendo vão mais longe e confirmam que, eleitoralmente, a vitória reuniu votos de extremos opostos — de um lado as esquerdas, do Syriza a pequenos partidos extra-parlamentares, passando por um número expressivo de votantes comunistas; de outro, os nacionalistas do Gregos Independentes, parceiro do governo do Syriza, e não poucos neonazistas, radicalmente opostos a Bruxelas — diante de uma oposição incapaz de se unir a favor do sim, apesar da tentativa de conservadores e socialistas de forjar uma frente europeia.

O triunfo do não também confirma o apoio à gestão das negociações por parte do Syriza; apesar do desgaste e de uma situação econômica que beira a asfixia, o partido de Tsipras voltaria a ganhar as eleições com algo em torno de 36% dos votos, rondando a maioria absoluta, se elas fossem convocadas agora.

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